Hammer, Sickle and Four logo
Vanguarda
              Operária

março de 2018


Marielle Franco (Rio de Janeiro, 27 de julho de 1979 - 14 de março de 2018).    (Foto: Mario Vasconcellos/CMRJ)

EXECUÇÃO RACISTA NO RIO

Mobilização operária contra a ocupação militar-policial!
Expulsar as UPPs, PM e exército das favelas!

16 de MARÇO de 2018 – O assassinato da Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro,  na quarta-feira 14 de março foi um crime de estado. Foi uma execução sumária por profissionais: ela foi alvejada com pelo menos quatro tiros na cabeça quando estava no banco de trás num carro que possuía vidros fumês. Além da vereadora, o motorista do veículo, Anderson Pedro Gomes, também foi baleado e morreu. O motivo do ataque fica bem claro: se tratou de uma represália pela denúncia que Marielle fazia da repressão racista que durante largos anos têm sido realizada pelos múltiplos corpos policiais e militares no Rio, particularmente nas favelas como a da Maré onde ela cresceu. Agora como relatora da comissão da câmara de vereadores encarregada de acompanhar a intervenção do exército no Rio, era um alvo prioritário de ser eliminado pelas “forças da ordem”.

Ao redor do mundo, a execução de Marielle tem sido objeto de atos e mobilizações que expressavam o grande pesar pela perda de uma companheira lutadora, caída no campo de batalha. Porém o momento não é somente de homenagens. Deve ser a faísca para irradiar uma luta por mobilizar massivamente a força da classe operária para expulsar as UPPs, a PM e o exército das favelas cariocas, e por derrotar a ocupação militar e policial do Rio.

Os autores intelectuais desse duplo assassinato passaram o mandato de execução para os seus neo capitães do mato, com certeza dias antes da fatalidade do dia 14. Eles, por sua vez, aguardavam  as ordens de seus amos com os dedos no gatilho, ansiosos para cumpri-la,  por sinal. De forma emblemática, a execução se realizou poucos dias depois do 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, data que em que pese a grande propaganda da “Lei Maria da Penha”, não impedia de colocar o Brasil em lugar de destaque quanto aos assassinatos de mulheres.

A vereadora Marielle Franco (Rio de Janeiro, 27 de julho de 1979 - 14 de março de 2018) tinha 38 anos, tinha atuação pautada pela defesa de negros e pobres e denunciava sistematicamente a violência contra essa população. Crítica da intervenção federal das Forças de Segurança no Rio, a vereadora preta (a única entre os 51 membros do conselho municipal), havia censurado dias antes ação da PM em Acari. Marielle  foi uma socióloga, feminista, política brasileira e militante dos direitos humanos. A quinta mais votada nas eleições de 2016 para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, eleita pelo PSOL, ela era uma das poucas caras novas na política carioca.

“Pra tudo se acabar na quarta-feira”, diz o samba de Tom Jobim, a mais famosa trilha sonora do filme brasileiro, Orfeu da Conceição. Sim, o sangue da valente lutadora pelas causas sociais foi derramado na quarta–feira, 14/03, bem no centro do Rio, pertinho do Sambódromo onde neste carnaval desfilou pela Marquês de Sapucaí, barulhentos sambas que criticaram severamente  os governos do candidato a bonaparte, o presidente interino Michel Temer, o governador igualmente biônico Luiz Fernando Pezão e o prefeito Marcello Crivela.

A charge do renomado chargista Carlos Latuff, divulgada no dia 15/03, relatou de maneira simples e precisa, a ordem cronológica do assassinato de Marielle. A assessora de comunicação de Marielle, que estava no carro e foi atingida por estilhaços, recontou: “O homicídio ocorreu quando a vítima voltava de um evento chamado Jovens Negras Movendo Estruturas”.

Outra grande “coincidência” é o fato de que um dia antes do assassinato, a vereadora havia denunciado a violência policial no Rio em suas redes sociais. Em uma das postagens, Marielle afirmou que: “Mais um homicídio de um jovem que pode estar entrando para a conta da PM. Matheus Melo estava saindo da igreja. Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?” Quatro dias antes da morte, também pelas redes sociais, ela escreveu:

“O que está acontecendo agora em Acari é um absurdo! E acontece desde sempre! O 41° batalhão da PM é conhecido como Batalhão da morte. CHEGA de esculachar a população! CHEGA de matarem nossos jovens! E mais: ‘Precisamos gritar para que todos saibam o que está acontecendo em Acari nesse momento. O 41° Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro está aterrorizando e violentando moradores de Acari. Nessa semana dois jovens foram mortos e jogados em um valão. Hoje a polícia andou pelas ruas ameaçando os moradores. Acontece desde sempre e com a intervenção ficou ainda pior’”.

Emblemática e cotidiana matança da população preta

Desde o Haiti às Mães de Acari, desde Cláudia Ferreira arrastada pelo Camburão até a favela da Maré, matar gente preta tem sido a política do estado capitalista no Rio e ao redor do país. 

Ana Paula Oliveira, corajosa mãe de Johnatha de Oliveira, quem foi assassinado em maio de 2014 por policiais da UPP na favela de Manguinhos. Os números mostram que a quase totalidade das vítimas da PM são homens, que quatro de cada cinco baleados são negros, e o 75% são jovens.

Como relatora da comissão da Câmara Municipal para investigar a intervenção militar, Marielle Franco, mulher preta, carioca e cria da favela da Maré, sabia muito bem que, seja na ditadura militar ou sob o “Estado Democrático de Direito”, a realidade do Estado no cotidiano do povo favelado é sempre a mesma. O “segredo” da ditadura capitalista da burguesia brasileira e de seu enorme enriquecimento se deve ao fato de pagar um dos mais baixos salários mínimos ao redor do mundo, assegurado pela repressão racista. Isto foi uma herança do escravismo, como constatamos num trecho dos documentos de fundação da LQB (que critica o PCO que na época da ruptura não “queria deixar empretejar Causa Operária”, um indisfarçável racismo de “esquerda”). 

Marielle tombou numa poça de sangue onde outras mulheres pretas também tombaram. Por exemplo, o jornal Extra (16 de março de 2016) publicava que “passados exatamente dois anos da morte de Claudia Silva Ferreira, arrastada por uma viatura da PM por 300 metros na Estrada Intendente Magalhães, na Zona Norte do Rio, os seis policiais acusados do crime estão soltos e não foram sequer julgados.”  

Assim também, após mais de um quarto de século, os responsáveis pela chacina de Acari não foram punidos. Veja o caso de dona Tereza de Souza Costa, 65 anos, mãe de Edson Souza Costa, uma das vitimas:

“São 25 anos sem notícias do filho Edson de Souza Costa, que desapareceu aos 17, depois de sair de casa para um passeio com dez amigos num sítio em Suruí, em Magé, na Baixada Fluminense. Tereza é uma das sete mulheres que ficaram conhecidas como mães-coragem de Acari. Quatro delas morreram sem saber o paradeiro dos filhos.”
“No dia 26 de junho de 1990, de acordo com investigações da época, os jovens teriam sido sequestrados por homens que se identificaram como policiais. Daí em diante, nada se sabe. Por falta de provas, o inquérito foi encerrado em 2010 sem que ninguém fosse indiciado pelo crime que ficou conhecido como Chacina de Acari, embora nenhum corpo tenha sido encontrado.”
– do relato de Daniel Marenco, O Globo, 03/07/2016

Como se vê, no Brasil, particularmente na “Cidade Maravilhosa”, seja sob os governos da direita ou da esquerda, a política do Estado, tal como faz o sionismo em Israel,   tem sido estabelecer uma espécie de Faixa de Gaza e matar negros e pobres como forma de contenção e disciplinamento desse setor social. Marielle Franco era “cria da favela da Maré”, vivenciou e condenou a presença das Forças Armadas na Maré enviadas pela ex-presidente Dilma Rousseff a pretexto de “garantir a lei e a ordem”, o que na verdade era apenas para dar suporte para garantir a transferência de bilhões  para os capitalistas da farra da Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2015. Enquanto isso, a Frente Popular Militarizada (PMDB-PT-PCdoB) carioca, liderada pelo ex-governador Sérgio Cabral,  ao mesmo tempo em que mandou  a PM invadir a Aldeia Maracanã – templo indígena, sagrado para esta população – mandou também cercar a Maré com placas de aço que assim foi convertida em “bantustão” de tipo sul-africano dos tempos do apartheid, só que desta vez,  made in Rio.

Ato/protesto na Maré contra a ocupação militar das favelas, 1° de maio de 2014. (Em baixo) A moção  da assembleia da Rede Estadual do SEPE, introduzida pelo CLC, em abril de 2014 chamou a:
– Mobilizar a classe trabalhadora e sua força e em particular os sindicatos em defesa contra os ataques da polícia!
– Pela formação de comitês operários de defesa com base nos sindicatos para proteger os protestos e as favelas!
– Derrubar as muralhas de aço da Maré!
– Expulsar as tropas de ocupação pró-imperialistas do Haiti, favelas e movimentos sociais!
Ver “Não à Copa da repressão no Rio: Frente popular lança guerra contra a favela” (abril de 2014)

Igualmente emblemáticos, foram o movimento do “Cadê o Amarildo” (pedreiro da Rocinha  “desaparecido” pelas mãos da PM no “Inverno Quente” do convulsivo ano de 2013) e o movimento “Libertem Rafael Braga”. Esses movimentos de protesto chegaram a ter uma envergadura considerável naquele período, onde começou a surgir com muita ênfase a denúncia da matança de pretos nas favelas e morros do Rio. Na época foram muito visíveis, lidas e discutidas as palavras de ordem da LQB/CLC: “Expulsar as tropas brasileiras das favelas  do Rio e do Haiti! Criar grupos de autodefesas nos bairros com base nos sindicatos! Policiais de todos os tipos não fazem parte da classe operária, são o braço armado da burguesia”.

Cumpre observar também que as favelas do Rio têm sido um vasto campo de treinamento de tropas brasileiras que logo de seu primeiro governo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou ao Haiti para liderar uma ocupação neocolonial substituindo tropas dos EUA.

Militares fora do Rio, PMs fora das favelas!

No rol dessa lista cumprida de matança racista da polícia que vem abalando  o mundo,  o caso  de Marielle por mais dolorido que tem sido, desgraçadamente é como acrescentar uma mancha a mais na pele dos tigres.  Marielle viveu e cresceu sob as cercas com placas de aço, vivenciou a presença das Forças Armadas na favela da Maré  e condenou as UPPs. De acordo  com essa ex-socióloga formada pela PUC-Rio e mestra em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF), teve sua dissertação de mestrado com o tema “UPP: a redução da favela a três letras”.

O deputado Marcelo Freixo do PSOL, no Complexo do Alemão durante a ocupação da favela pede UPPs.
(Foto: Wilton Junior/Agência Estado)

De fato, Marielle tinha razão. As UPPs eram máquinas de matar pretos e pobres, sendo o 41° Batalhão de Irajá com abrangência até Acari, apenas uma das oficinas de concertar e preparar essas máquinas assassinas racistas. Porém, há de sublinhar que seu companheiro de partido, Marcelo Freixo, que foi candidato à prefeito do Rio pelo PSOL, no momento da ocupação do Complexo do Alemão pelos militares, apoiou as UPPs e pediu que estabelecessem mais! (Ver nosso artigo, “Voto nulo nas eleições – Intensifique a luta de classes!” de outubro de 2012.) E sem negar a capacidade assassina particular dos órgãos repressivos brasileiros, há de constatar que semelhantes chacinas tem-se realizado ao redor da América Latina sob o domínio do imperialismo ianque: veja o caso dos 43 desaparecidos de Ayotzinapa no México, ou a repressão genocida contra as populações indígenas de Guatemala.

Nos protestos se grita, “Não acabou, tem que acabar. Eu quero o fim da polícia militar!” A realidade é, em que pese toda a sua valentia, nem Marielle nem um outro ou outra qualquer não podem mesmo levar adiante seus ideais emancipatórios num partido social-democrata como o PSOL, PT, PCdoB  ou qualquer outro assemelhado que não fazem mais do que se adaptarem à ordem burguesa. Enquanto estes reformistas apoiam as “greves” dos policiais, tais como os morenistas do PSTU e a CST (PSOL) liderada pelo ex-vereador Babá, nós da LQB e do Comitê de Luta Classista lutamos por (e realizamos, na “Cidade do Aço”, Volta Redonda, em 1997): Policiais de todos os tipos, fora dos sindicatos.

Repetimos: Militares fora do Rio, PMs fora das favelas! Lutar por um governo operário-camponês que derrube a ditadura capitalista, expropriando a burguesia inteira e dissolvendo seus racistas corpos repressivos ao abrir a revolução socialista internacional que libertará a todos os oprimidos. ■

Protesto de Nova Iorque contra a execução racista no Rio de Janeiro

Contingente internacionalista no ato em Nova Iorque, no dia 16 de março. (Foto: The Internationalist)

NOVA IORQUE, 16 de março de 2018 – Pouco depois das 21h. desta quarta-feira, 14 de março, Marielle Franco, uma vereadora da cidade do Rio de Janeiro, Brasil foi assassinada em seu carro por uma equipe de pistoleiros profissionais. No dia anterior, ela havia denunciado o assassinato policial de um homem negro, perguntando: “Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?”

Em fevereiro, o presidente brasileiro, Michel Temer, ordenou o exército apoderar-se do policiamento do Rio, supostamente para reprimir a violência nos bairros das favelas empobrecidas. (Temer assumiu o cargo como resultado do impeachment pelo Congresso profundamente corrupto em agosto de 2016 da presidente eleita, Dilma Rousseff.) Essa militarização da polícia desencadeou uma oposição crescente. Marielle, a única mulher negra na câmara de vereadores do Rio, foi nomeada relatora de uma comissão da câmara para exercer um controle sobre a atuação do exército. Na semana passada, Marielle denunciou o 41º Batalhão da Polícia Militar como batalhão da morte que mata jovens negros. Seu assassinato no centro do Rio foi a represália desses executores profissionais.

Na sexta-feira, 16 de março, ocorreram manifestações contra o assassinato racista em todo o mundo. Na Union Square da cidade de Nova Iorque, ao redor de 200 pessoas saíram a participar no ato com menos de 24 horas de antecedência. Houve um contingente do Grupo Internacionalista, Trabajadores Internacionales Clasistas e a Juventude Internacionalista Revolucionária. Seus cartazes proclamaram, em português e em inglês, “A revolução operária vingará Marielle”, responsabilizou ao exército pela execução e chamou a “Derrotar a ocupação militar-policial do Rio com o poder operário”. Especificamente, exigiram, “Militares fora do Rio, UPPs fora das favelas”.

Um porta-voz internacionalista falou à multidão enfatizando a necessidade de mobilização operária contra a militarização, mas também contra os ataques à classe trabalhadora pelo governo que legalizou a escravidão e destruiu conquistas sindicais. Ele enfatizou a necessidade de uma luta revolucionária contra o imperialismo, que está por trás da guerra contra os pobres e os trabalhadores no Brasil e em todo o continente. A Liga Quarta-Internacionalista do Brasil, seção da Liga para a Quarta Internacional, exigiu repetidamente a ação sindical contra a ocupação do Haiti pelo exército brasileiro atuando como mercenários de Washington. Ali, acusam, introduziram táticas de “contra-insurgência” que a PM logo usou nas favelas do Rio e nos bairros pobres da periferia de São Paulo e outras grandes cidades.

Em Nova Iorque e em todo o mundo, as multidões gritaram “Marielle Franco, presente!” Mas isso não é suficiente, devemos agir para pôr fim a essa peste. A polícia assassina mais de 1.000 pessoas cada ano no Rio de Janeiro, em sua esmagadora maioria pretos e pobres. Nos Estados Unidos, a polícia mata mais de 1.100 civis por ano. Os policiais assassinos racistas são acostumados a levar a cabo seus assassinatos criminosos com impunidade. Porém, a execução a sangue-frio de Marielle causou um alvoroço. Assim também foi o caso do infame “desaparecimento” pela polícia de 43 estudantes normalistas de Ayotzinapa, México. Mas se requer uma revolução operária para pôr fim ao assassinato de pobres e negros por este sistema capitalista racista, desde o Brasil até o coração do imperialismo nos EUA. Essa será a homenagem que Marielle merece. ■