Nº 2, agosto-outubro de 1997 Racismo nas siderúrgicas Leucopenia: Volta Redonda – "É preferível que o trabalhador leucopênico retorne à siderúrgica. Ele volta a se sentir útil socialmente. No fundo, esta é a cura", afirma o hematologista Celso Guerra (JB, 03/08/1997). Esta resposta revela que a "parceria" entre as siderúrgicas CSN, Cosipa e INSS está se articulando para condenar à morte trabalhadores leucopênicos siderúrgicos. Isto também deve estar ocorrendo em outras siderúrgicas. O médico hematologista baiano Celso Guerra é um destacado testa-de-ferro dos tubarões do aço e um dos principais pseudocientistas que sustentam que "a leucopenia é um traço genético de negros". Celso Guerra deve ser um admirador e seguidor do médico nazista Joseph Mengele, que enviou milhares de judeus, ciganos, eslavos e outros para serem assassinados nos formos crematórios e campos de extermínio. Conquistas ameaçadas As siderúrgicas estão pressionando o governo/INSS para retornar os leucopênicos para demiti-los. Depois de anos de muitas lutas contra o preconceito os leucopênicos conseguiram licenças pelo INSS . Hoje os afastados da CSN são cerca de 500 e 2 mil atingidos e da Cosipa em torno de 800. Ocorre que a "tese" racista sempre tenta descaraterizar o benzenismo como doença do trabalho, livrando as siderúrgicas e o Estado de suas responsabilidades. Benzenismo e leucopenia: uma doença do trabalho
Em maio de 1987, o SESI e a Sociedade Brasileira de Hematologia, apoiados pela Cosipa, realizaram um Simpósio de Leucopenia - S.P., onde participaram 118 medicos "e chegou-se a sugerir que a diminuição dos níveis de glóbulos brancos no sangue deveria ser decorrente também do fator racial (negro). Lia Giraldo da Silva Augusto (médica com doutorado em Clínica Médica e tese na área de hematologia) protestou, dizendo que considerava a aprovação daquela proposta como um ato de racismo" (citação do caderno CEERT 1997). A leucopenia se caracteriza pela diminuição dos glóbulos brancos, acarrentando a anemia plástica e leucemia. Doença para a qual não tem existido tratamento médico, a leucopenia mina as defesas do organismo, de forma que uma simple gripe pode ser a cause de morte de pessoas leucopênicas. O benzenismo é resultante da inalação e exposição sistemática ao benzeno, subproduto do carvão coque utilizado nas siderúrgicas para fabricação do aço. A leucopenia pode ser contraída em siderúrgicas, mas também em instalações petroquímicas onde se produz benzeno; indústrias químicas ou de laboratórios que o utilizem, produtores de cola sintética, fabricação de sapatos, artigos de couro; de tintas e vernizes, impressores e atividades de pinturas por pulverização. Portanto, operários e operárias de quaisquer raças, desde que estejam expostos ao benzeno podem contrair a leucopenia. "Forte, preto e burro" Um engenheiro da CSN, Cidnei Luiz Bertussi, apresentou uma Dissertação (mestrado) na UFRJ em janeiro, 1982. Segundo a Dissertação, diziam-se na CSN que estas eram as três condições de trabalho necessárias em uma coqueria. "Fortes porque, do contrário não aguentaria o tranco. Pretos, porque esta não seria uma ocupação para brancos. E burros porque, se fossem inteligentes arranjariam algo de melhor para fazer na vida." O racismo-genocida é uma espécie de controle populacional. Não apenas na coqueria, mas no capitalismo em geral, os operários negros estão concentrados nos piores setores de trabalho, inclusive insalubres como um bolsão de mão-de-obra barata e descartável, prática esta racista e genocida herdada dos senhores de escravos. Os atuais capitalistas "modernos" fazem de suas siderúrgicas "fábricas de morte". A questão do negro e a polêmica com Causa Operária "Nossa luta interna começou contra o fato de que CO recusa combater a opressão dos negros e mulheres. Em sua revista ‘Bases Programáticas' de junho de 1988 que reúne uma coletânea de artigos ao longo de uma década não tem sequer uma só linha de análise sobre a opressão racial no Brasil. Buscando ligar a luta contra a opressão do negro à força do proletariado nós denunciamos como os metalúrgicos negros são condenados à leucopenia; a Companhia Siderúrgica Nacional responde com propaganda permanente e abertamente racista! No primeiro intento de mostrar uma resposta revolucionária à opressão racial, em agosto de 1993, Luta Metalúrgica interveio no encontro ‘O Papel da CUT no Combate ao Racismo' contra os dirigentes reformistas/frente-populistas (CUT-PT-PSTU-PC do B) com um documento que chamou pela autodefesa operária contra os ataques racistas e ação sindical contra o salário minimo de fome, e denunciou a esterilização forçada de mulheres negras" (livreto, Luta Metalúrgica, outubro de 1994; LM, hoje LQB, trouxe a campanha "Salvar a vida de Mumia Abu-Jamal" para o Brasil em 1995). Avança a campanha A despeito deste quadro sombrio, a partir da denúncia que LM fez em 1993 na CUT, o Centro de Estudos das Relações do Trabalho e Desigualdades – CEERT, um órgão ligado à Frente Popular – está lançando uma campanha. "Era setembro de 93, estávamos em Belo Horizonte e a voz grave do negro Cerezo, Coordenador do Comitê de Leucopênicos de Volta Redonda, deixava perplexa uma plenária de mais de cem dirigentes sindicais. A denúncia de Cerezo – a utilização pelas empresas da cor/raça como explicação para o surgimento de leucopenia em trabalhadores negros – não deixava margem para dúvidas: era preciso desbravar este minado terreno onde cor/raça toca a biologia" (livreto Insalubridade no trabalho, meio ambiente e raça. O Caso das siderúrgicas 1997, assinado Maria Aparecida Silva Bento [coordenadora de pesquisas do CEERT e integrante do núcleo de estudos interdisciplinares sobre o negro brasileiro/USP] e Profa. Dra. Lia Giraldo da Silva Augusto [pesquisadora adjunta da FIOCRUZ/CPqAM/NESC]). Quase que simultaneamente na Universidade Rural do Rio de Janeiro, no mês de março de 1997, uma jovem negra de 24 anos, Dulcidete Gonçalves da Silva, filha de um metalúrgico militante do movimento operário, apresentava para sua formatura uma monografia: "Debatendo relações raciais no Brasil". Depois de analisar as relações raciais de homens negros e mulheres negras no mercado de trabalho nos anos 90 no Brasil, Dulcidete dedica um trecho aos metalúrgicos leucopênicos. "Além disso a trajetória da população negra no Brasil é mais penosa. A população negra no pós-abolição sempre esteve no rodapé da força de trabalho. Constituindo-se como uma mão-de-obra barata. Servindo como joguete na manipulação inter-racial. Contribuindo com lucros fabulosos para a classe dominante brasileira. No curso desta superexploração elementos de genocídio serviram também para controlar e domesticar esta população." Dulcidete lembra os "Voluntários da Pátria" da Guerra do Paraguai e a redução que esta causou à população negra "em números absolutos, de 2,5 milhões para 1,5 milhões, representando uma queda de 40% no global da população negra". Sobre o ciclo de mineração onde a vida útil de um negro minerador não passava de 7 anos: "O trabalho era muito rude e exigia homens fortes, e poucos sobreviviam. Mas este 'controle poppulacional' com fortes elementos de genocídio, que lembra as leis de Malthus, não existiu apenas no período pré-abolição." Continua. "Ou seja, mais grave que a posição de inferioridade da população negra...é constatar que estes elementos de genocídio estão presentes de modo dissimulado...na esterilização de mulheres negras...e na questão da leucpenia.... Trabalhadores são expostos ao vazamento de gás na coqueria, e contraem a epidemia do 'benzenismo'. Interroga: Esta epidemia é genética?" Na relação de agradecimentos Dulcidete agradece a LQB "pela contribuição com documentos e debates preciosos...." Acrescenta na sua monografia: "O trabalho não será livre na pele branca enquanto na pele negra for marcado a ferro quente" (Karl Marx). Frente Popular colabora com os racistas Em Volta Redonda existem atualmente cerca de 350 processos sobre leucopenia tramitando no Forum. A maioria estão sendo derrotados. Há um verdadeiro conluio criminoso entre juizes, médicos e advogados. A "tese" de que "leucopenia é doença genética de negros" tem prevalecido. O mais grave no entanto é que a Frente Popular do PSB, PT, PCB, PC do B, PV que dirige a prefeitura municipal fez um acordaço com a CSN e anistiou esta de uma multa chamada de Passivo Ambiental de Compensação (PAC), que segundo os técnicos, girava em torno de 166 milhões de dólares. A PMVR rateou a dívida para míseros 16 milhões de reais e mesmo assim com a CSN pagando quando e como quiser. E mais scandaloso ainda: o Governo da Frente Popular, cuja vice-prefeita, médica, se fez famosa discutindo leucopenia no Sindicato dos Metalúrgicos do Sul Fluminense, se comprometeu a desistir e fazer as pessoas desistirem de todos os processos contra a CSN e ademais, os exames hematológicos, cuja medição coreta é vital par a saúde dos leucopênicos, estão sendo fraudados para agradar os amos da CSN que hoje privatizada, mais do que quando era estatal, busca ritmos frenéticos de produtividade às custas de demissões, arrocho salarial e esmagamento da saúde dos operários. O conluio criminoso de colaboração de classes, entre juizes, médicos, advogados, CSN, Governo FHC/Frente Popular e a Força Sindical (que está colocando até polícia contra um dos líderes dos leucopênicos), que vai além do racismo da "tese" racista/genocida, em nome do lucro capitalista, busca atrair para o corredor da morte os leucopênicos. A chave é construir um partido revolucionário multi-racial Um dos "segredos" do capitalismo brasileiro é sua superexploração e manipulação através da opressão racial. Para barrar este genocídio contra os leucopênicos é necessário mobilizar a classe operária (todas as etnias) em ação contra massacres dos meninos e meninas de rua e assassinatos de ativistas, dos sem-terra, pela autodefesa operária, contra a opressão contra os homossexuais e massacres contra os índios. Por isso o partido operário revolucionário deve ser, nas palavras de
Lênin, o "tribuno do povo" que mobiliza a força do proletariado que lute
contra todo tipo de exploração, opressão e discriminação.
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