.
Vanguarda Operária

maio de 2006 

Crise permanente da frente popular
Lula  contra os trabalhadores
forjar um partido operário revolucionário


Servidores públicos deflagram greve contra a  “reforma” do sistema de previdência
ordenado pelo Fundo Monetário Mundial e imposto pelo governo Lula, julho de 2003.
(Foto: AP)

Os oportunistas querem outro PT, outra CUT
e outra frente popular

Na América Latina propaga-se uma onda  de decepção. Após a “década perdida” dos anos 80 devido à “bomba da dívida externa” e outros dez anos de regimes que aplicavam ao pé da letra as receitas do Banco Mundial e do Fundo Monetário Interna­cional, aprofundando a fome e a miséria em todo o continente, surgiram no início do século XXI em vários países,  governos ditos de “centro-esquerda”. Foram instalados após cam­panhas eleitorais populistas, que censu­ravam o “neo-liberalismo”. Em primeiro lugar entre eles encontra-se a frente popular presidida por Luiz  Inácio Lula da Silva. Porém, estes regimes  logo se revelaram leais servidores de seus amos imperialistas em Washington, e seguiam as mesmas políticas econômicas que seus antecessores. Então no ano passado, começando com a derrubada de Lucio Gutiérrez  no Equador (ver matéria, página 24) em abril, seguida pela queda de Carlos Mesa na Bolívia em junho (ver página 26), estalaram protestos convulsivos que geravam expectativas de mudanças  radicais. Mas  falta o essencial: a direção revolucionária.

Entretanto, na escala mundial o imperialismo estadonidense encontra-se em uma situação cada vez mais difícil. Após a blitzkrieg (guerra relâmpago) de 2003, seu exército de ocupação colonial se afunda  nas areias movediças do Iraque, diante de uma insurgência arraigada e um conflito comunalista (atiçado pelos invasores) entre muçulmanos xiitas e sunitas. No interior dos EUA, a dirigência civil do Pentágono e a  Casa Branca, enfrentam-se com uma oposição crescente entre a população estadonidense à sua aventura bélica  no Oriente Médio e agora com uma rebelião dos generais obrigados a implementar sua estratégia malograda.

Ao mesmo tempo, as conseqüências do furacão Katrina, quando as autoridades abandonaram à sua sorte na inundação,  mais de 100.000 pessoas, quase todas negras e pobres, revelou graficamente não somente a incapacidade da administração Bush, mas também os planos da burguesia de impôr medidas racistas de estado policial e empreender uma “limpeza étnica” nos guetos dos Estados Unidos. Agora a mobilização de milhões de imigrantes, predominante­mente latino-americanos, nas ruas de quase todas as cidades estadonidenses têm exposto outro ponto fraco do império.

Tratados pelos imperialistas de Washington e Nova Iorque como seu “pátio traseiro”, os países latino-americanos sempre estão profundamente afetados pelos ventos do norte. Se a efervescência dos anos 60, com golpes de estado e guerras de guerrilhas em qualquer parte da América do Sul, foi em grande medida o resultado pelo  atolamento  dos EUA em pântano no Vietnã, o atual afundamento das forças estadonidense no Afeganistão e Iraque enfraquece sua garra sobre o hemisfério ocidental.

O Lula com seu amo imperial.

A condição de seus aliados e competidores imperialistas não é melhor. Todo o continente europeu padece taxas de crecimento baixissimos, com uma população envelhecendo e tensões crescentes em torno da imigração. A rebelião contra a repressão policial dos jovens dos bairros de imigrantes da periferia das grandes cidades francesas em outubro-novembro de 2005, e a recente revolta da juventude e da classe operária contra o “contrato de primeiro emprego” que mobilizou  milhões de manifestantes nas ruas e convulsionou o país (ver página 3), indicam uma intensificação da luta de classes que requer uma direção bolchevique para avançar rumo à revolução operária necessaria para acabar com o desemprego massivo.

No Brasil, o governo de Lula foi sacudido pelo escândalo do “mensalão”, a revelação de corrupção em grande escala no Partido dos Trabalhadores. A imprensa da direita, começando com a Rede Globo, queria cortar o solo debaixo dos pés do presidente e encontrou o instrumento num desconhecido deputado que confessou ter-se subornado. Isto socavava a pretensão do PT de representar “a ética na política”. De repente os políticos mais corruptos do planeta sobressaiam-se na indignação sobre as corruptelas da legenda do presidente. Lhes seguiam, à esquerda reformista de oposição, buscando tirar benefício da situação. Mais o realmente escandaloso neste assunto, é o fato de que um governo de um partido “dos trabalhadores” subornava políticos da direita para votar leis anti-operárias, não mereceu a atenção dos fabricantes da opinião pública burguesa. E mediante uma “democratização” da compra de votos, subindo minimamente o salário mínimo e estendendo os subsídios miseráveis do programa Bolsa Família a algumas milhões de pessoas, os operadores políticos de Lula lograram sair da crise.

O Palácio do Planalto procurava blindar o governo Lula mediante a extensão da coalizão além dos sócios iniciais, o PT e o Partido Liberal do “rei das camisetas” e patrão da Igreja Universal do Reino de Deus, José Alencar, e a instalação de homens de confiança dos banqueiros imperialistas nos postos chaves, Henrique Meirelles (antigo presidente do Banco de Boston) no Banco Central e Antônio Palocci como ministro de finanças. O governo sobreviveu a queda de José Dirceu e Jose Genoino, mas quando a crise da corrupção atingiu recentemente Palocci a blindagem de Lula caiu. Então os grandes capitalistas que se beneficiaram do governo da frente popular (os bancos Itaú e Bradesco teve lucros recordes, as cinco maiores empresas do país gozavam de uma taxa de rentabilidade de 49 por cento sobre o patrimônio em 2004) empreendrem uma operação de salvação de seu homen no Palácio do Planalto.

Hoje Lula aparece claramente como o testa-de-ferro dos ban­queiros paulistas, dos operadores da Bovespa, dos capi­tães da indústria, da alta fianança de Wall Street e dos amos do imperialis­mo estadonidense em Washington. Setores da classe operária ainda poderiam votar pelo antigo metalúrgico, sem entusiasmo, para bloqueiar o retorno da direita. Embora seu apoio é sumamente fraco e poderia ser rompido. Mas longe de montar uma oposição revolucio­nária, ao governo burguês de Lula, a esquer­da “opositora” dá  uma versão ligeira­mente à esquerda do PT atual.

“Governo PT/PL: bombeiro do FMI

Ao assumir a presidência, Luiz Inácio Lula da Silva foi festejado como primeiro presidente que representava o povo. Os ônibus chegaram de todo o país, a multidão de 150.000 dançou na Esplanada dos Ministérios em Brasília, muitos saltaram no espelho d’água do Congresso. Na intelectualidade de esquerda também imperou a euforia. Michel Löwy, profesor carioca e parisiano, escreve um artigo no primeiro número de Margem Esquerda (maio de 2003) titulado “A dança das estrelas, ou um outro Brasil é possível”. Alí disse:

“Pela primeira vez na história do Brasil e das Américas um operário é eleito presidente da República. E, se acrescen­tarmos que é um operário combativo e dirigente de um partido que se reclama do socialismo, talvez seja a primeira vez na história universal....

“Esta vitória é a revanche histórico dos explorados e dos oprimidos, depois de vinte anos de ditadura militar e outros dezessete de ‘Nova República’ neo­liberal. Ou melhor, fazendo bem as contas, depois de quatrocentos anos de dominação oligárquica, nos quadros do capitalismo colonial/dependente.

“Daí a alegria popular, a dança das estrelas, a esperança. Imensa esperança popular numa mudança radical, num novo rumo, numa ruptura com as políticas do passado.... A esperança de que, finalmente, pela primeira vez, um governo não seja o instrumento dos privilegiados, dos exploradores, dos proprietários, dos corruptos, dos millonários.”

Também na esquerda formalmente fora da  frente popular  propagava-se a expectativa de uma onda de lutas desatada pelo triunfo de Lula. E todos, mesmo os que criticaram a coalizão com o direitista Alencar e se abstiveram de votar pelo candidato do PT/PL, queriam se identificar com o “fenômeno Lula”. A Liga Quarta-Internacionalista do Brasil tomou uma posição única ao chamar por “Nem um voto a nenhum candidato da aliança de classes” e se opôr por princípio ao frentepopulismo. No título de nosso boletim de 25 de setembro de 2002 chamamos pela “Oposição proletária à frente popular! Pela revolução socialista internacional!” A manchete de nosso jornal após a posse de Lula, “Governo PT/PL: Bombeiro do FMI” (Vanguarda Operária No. 7, janeiro-fevereiro de 2003), causou grande alvoroço no Fórum Social Mundial em Porto Alegre. Porém, logo vinham as provas da certeza de nossas teses.

Na realidade, as provas já estavam bem antes. Em primeiro lugar, a coalizão com setores da burguesia  não era  nada de novo no PT. Nas eleições de 1989, o Partido dos Trabalhadores  formou a primeira Frente Brasil Popular com figuras burguesas de  segundo escalão  como o vice de Lula, João Paulo Bisol. Desde que foram a direção municipal de Volta Redonda do PT, os fundadores da LQB se opunham ao voto à fórmula Lula-Bisol, e logo foram expulsos do partido. Em 1994 e 1998 o PT formou novamente alianças com setores subalternos da burguesia, o que Leon Trotsky  nomeou , referindo-se à  Frente Popular na Espanha dos anos 30, “a sombra da burguesía”.

A independência do proletariado da burguesia é o princípio fundamental de toda política marxista, e toda coalizão com setores capitalistas constitui um crime contra os explorados. Na Guerra Civil Espnahola o governo da Frente Popular reprimiu os trabalhadores de Barcelona e assim abriu a porta à vitória das hostes de Franco. Também na  França antes e depois da II Guerra Mundial, na Italia em 1945, na Indonésia em 1965 e no Chile no começo dos anos 70, a frente popular leva ao desastre os trabalhadores. Disse Trotsky:

“A história moderna das sociedades burguesas está infestada de frentes populars de toda espécie, ou seja, das mais diversas combinações políticas aptas para enganar os trabalhadores. A experiência espanhola não é senão uma ligação trágica nesta cadeia de crimes e de traições.”

–Leon Trotsky, Lição de Espanha, última advertência (dezembro de 1937)

O compromisso de Lula com as políticas econômicas do imperialismo já foi explicitado em sua “Carta ao povo brasileiro” de junho de 2002, onde ele rendeu  juramento de  manter um “equilibrio fiscal consistente” e o “superávit primário” ao mesmo tempo que criticou o governo de Fernando Henrique Cardoso  de “populismo cambial”; e na carta que ele firmou junto com os demais candidatos presidenciais submetendo-se aos condicionamentos exigidos pelo FMI para o “empréstimo preventivo” de US$30 bilhões negociado por FHC, cujo propósito era atar as mãos do candidato do PT.

O submetimento aos ditados da alta finança  imperialista e de seus sócios  menores no país foi evidente também na atuação da prefeitura de Porto Alegre (RS), em  mãos da esquerda  petista, onde o famoso “orçamento participativo” manteve o congelamento dos salários dos servidores municipais e restringiu os gastos sociais, mas pagou a dívida aos banqueiros. Deste maneira o PT participou plenamente na ofensiva contra as conquistas sociais e sindicais por parte de todos os governantes capitalistas depois de contra-revolução que destrui o estado operário degenerado da União Soviética e reestabeleceu o capitalismo na Europa do Leste.

Ao contrário do que alega a quase totalidade da esquerda brasileira, os imperialistas que se imaginavam amos de uma “nova ordem mundial” não se asustaram com a eleição da frente popular no Brasil em 2002. Como escrevemos na época, era evidente que Lula (com Alencar) “vai presidir um regime burguês que governará o país não em interesse do ‘povo’ senão pelo lucro da Bovespa e Wall Street”, que atrás da máscara de pro­gramas assistencialistas como “Fome Zero”, “vai implementar as políticas de fome do Fundo Monetário Internacional”. Seguimos:

“A tarefa que os donos do Brasil têm conferido em Lula é de conseguir que as massas trabalhadoras engulam as ‘reformas’ anti-operárias que seus ante­cessores direitistas não alcançaram impor.

“O Lula foi selecionado como mandatário do país desta vez, em sua quarta campanha presidencial, principalmente devido à crise econômica generalizada que abrange a maior parte dos países de América Latina, à ‘moderação’ de seu programa e ao fato de que os traalhadores que votaram por ele serão firmemente encadeados a seus inimigos de classe. Como nas campanhas anteriores, o PT formou uma coalizão de colaboração de classes tipo ‘frente popular’ como garantia de suas ‘boas intenções’ frente ao capital.”

Vanguarda Operária No. 9

Como anotou um analista econômico paulista, o grande capital buscava uma vitória de Lula, e bem pronto, para evitar o estouro da “bomba” das tubulências econômicas: “É por isso, também, que tanto Fernando Henrique Cardoso quanto o FMI torcem para que a eleição seja decidida já no primeiro turno. De preferência com a vitória do mais popular dos candidatos”, ou seja, Luiz Inácio Lula da Silva (José Martins, “Esperando Mister Lula”, Crítica Semanal da Economía, setembro de 2002, citado por Osvaldo Coggiola, Governo Lula: da esperança à realidade [Xamã VM Editora, 2004]).

O historiador do trotskismo latino-americano e catedrático na Universidade de São Paulo Coggiola faz remarcar:

“A ascenção do governo Lula-PT foi vista, nesse quadro histórico político, com esperanças por todos os setores populares, mas também com beneplácito pelos representantes do governo e do establishment dos Estados Unidos. O novo governo da principal nação latino-americana estruturou-se claramente como um governo de frente popular, com um programa capitalista, e com importantes representantes da burguesia financeira no seu interior, como uma manobra política de colaboração de classes para criar um fator de contenção da emergência do movimento operário e camponês da América Latina.”

Logo acrescenta Coggiola:

“Negando as evidências, a esquerda assegurou que a vitória de Lula daria ânimo a todo o povo brasileiro e geraria um processo de ascensão do movimento de massas.... Parte da imprensa e a esquerda recorreram a um lugar-comum quando qualificaram os 39 milhões de votos obtidos pelo PT no primeiro turno como um acontecimento histórico. Tratava-se, na realidade, do aborto de um acontecimento histórico, pois com o PT também chegou ao governo uma fração reacionária da burguesía brasileira....”

Correto. Só que seus companheiros da corrente de Jorge Altamira (do Partido Obrero na Argentina) no Partido Causa Operária se contavam entre aqueles que apregoavam então um ascensão de lutas de massas com a chegada de Lula ao governo.

Os serviços que prestava Lula pelo imperialismo começaram ainda antes da posse, em dezembro de 2002, quando ele enviou um emissásrio a Caracas por pressionar a Hugo Chávez que cede ao locaute deflagrado pelos patrões que poucos meses antes apoiaram um golpe de estado por afastar-lhe do poder. Logo, em maio 2003, quando o exército estadonidense viu-se surpreendido por uma insurgência no Iraque e precisava das tropas que enviou a Haiti para  seqüestrar o presidente Aristide, o Lula ofereceu enviar tropas brasileiras como mercenários para manter a ocupação colonial da primeira república negra de América. Agora que correntes centristas pedem a retirada das tropas do Haiti, a Liga Quarta-Internacionalista tem lutado nos sindicatos por mobilizar a classe operária a ajudar seus irmãos e irmãs de classe  a expulsar a força expedicionária brasileira. 

Em vésperas do primeiro turno das eleições brasileiras, o Economist (05/10/02) de Londres dava instruções sobre as tarefas de um futuro governo Lula. Sublinhou em particular a importança de “cortar os entitlements [os direitos adquiridos] dos mais ricos e concentrar as despesas do estado nos pobres.... No entanto, o PT se opunha aos esforços do Sr. Cardoso de fazer isto, por exemplo, de cortar as pensões dos servidores. Muitos dos militantes do partido de Lula vêm dos sindicatos de servidores e das universidades públicas.” O Lula comentou num discurso à  Associação Comercial de São Paulo em março de 2003: “Por que eu dizia na campanha que somente eu poderia fazer a reforma?... Era porque eu sabia que a reforma terá que enfrentar uma base muito organizada, e uma grande parte dela votou em mim” (citado por Coggiola, Governo Lula). Assim, Lula se propôs a fazer o que FHC não consiguiu.

O objetivo da reforma do sistema de previdência social não foi, como se pretendeu, sanear as finanças públicas e arrumar uma alegada falta de R$20 bilhões na Previdência mas de passar ao controle dos bancos os R$70 bilhões que seriam “contribuídos” pelos trabalhadores de suas rendas com a privatização. Acabaria com a aposentadoria integral, e transferiria bilhões da fazenda pública aos bancos. Variantes do mesmo programa já foram introduzidos na Chile sob a ditadura de Pinochet, e no México onde financiou o resgate dos bancos privatizados que se quebraram após a crise financeira de dezembro de 1994. Foi facilitado pelo fato de que os sindicatos da Central Única dos Trabalhadores (CUT) não se opunham a este saque do estado. Isto se devia em parte à presença de 11 ex-dirigentes da CUT como ministros, e de outros 66 ex-sindicalistas cutistas em altos postos do novo governo. Mais escandaloso ainda, a CUT mesma formou um fundo de pensões para que ela (o seus dirigentes) pudessem  beneficiarem-se da privatização na mesma maneira que os bancos o faziam!

O presidente Lula com sua “blindagem”, o ministro da fazenda, Antonio Palocci, num seminário com banqueiros, investidores e empresários em Nova Iorque, junho de 2004.

Então o governo Lula pôs mãos à obra. A PEC 40/3 que incorporava a reforma previdenciária foi votada a todo vapor. Os oito deputados petistas que se recusaram votar ao favor de este brutal ataque contra os direitos dos trabalahadores foram suspensos da bancada e logo quatro deles foram expulsos do PT. O 8 de julho de 2003, os servidores públicos federais deflagraram uma greve nacional. A eles se juntaram os sem-terra e sem-teto. Até 50.000 trabalha­dores marcharam em Brasília. Foram atacados pela polícia com gás lacrimogênico e espancados, inclusive por Policiais Militares dentro do Congresso. A greve  durou um mês inteiro e foi acompanhada por ocupa­ções de terra, mas terminou em uma derrota.

No campo, a fala do PT de reforma agrária tem dado resultado nulo. A estrutura da propiedade rural, uma das mais desiguais do mundo, não mudou um pingo: dos 600 milhões de hectares de terras cultiváveis, os grandes latifundiários, que são menos de 1 por cento dos proprietários, detêm 285 milhões de hectáres,  46%, a maioria delas improdutivas. Por outro lado há quase 5 milhões de famílias camponesas sem terra.

Um plano nacional de reforma agrária elaborado por Plínio de Arruda Sampaio (diretor de Correio da Cidania, agora do PSOL) em outubro de 2003 previu até um milhão de assentados durante o mandato de Lula. Mais modesto, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) pediu ao governo Lula em janeiro de 2003 o assentamento de 400.000 famílias pela reforma agrária. A meta foi acertada pelo ministro de reforma agrária, Miguel Rossetto (da corrente pseudotrotskista Democracia Socialista do PT), e o presidente mesmo se comprometeu cumprir com esta meta ao receber uma delegação do MST em maio do ano passado.

No entanto, a realidade é outra: nos primeiros tres anos do governo Lula somente receberam terra do governo 127.000 famílias, e delas só 27.000 foram assentadas no marco da reforma agrária, bem menos que no governo anterior de FHC. Ao contrário, no ano 2003 foram despejados de suas terras quase 31.000 famílias. E umas 170.000 famílias dos sem-terra ainda estão acampadas na beira das estradas ou em fazendas ocupadas (cifras de Brasil de Fato, 04/13/2005).

O fracasso da reforma agrária sob o governo supostamente de esquerda apoiado pelo MST não é casual. É na linha direta da sua opção para favorecer o crescimento do agro-negócio com o fim de aumentar as exportações, manter o superávit primário de 4,5 por cento no orçamento federal e saldar a dívida externa. Ao mesmo tempo, os fazendeiros aumentaram a violência contra os sem-terra, fundando verdadeiros exércitos privados de jagunços. Dirigentes do MST como José Rainha e sua mulher Diolinda de Souza e muitos outros militantes da organização sofreram a prisão. E dez anos logo da chacina de Eldorodo dos Carajás (PA), onde foram assassinados 19 trabalhadores sem-terra, 144 soldados e oficiais que participavam na matança foram absolvidos, somente dois  foram condenados e ninguém esta preso hoje.

Em meio da crise do mensalão do ano passado, um boletim de MST Informa (9 de agosto de 2005) constatou: “O povo brasileiro elegeu o governo Lula para fazer mudanças.... Não contamos mais com o mesmo governo que elegemos em 2002. Não temos um governo de esquerda, nem de centro-esquerda.... a direita controla a política econômica. Demos adeus ao governo do PT e seus compromissos históricos.” Porém, que são as conclusões políticas desta constatação? O MST declara: “O governo Lula pode encontrar no povo um aliado para combater os inimigos. Mas ele precisa mostrar de que lado está.... Essa escolha se faz por intermédio de mudanças claras na atual política econômica e social.”

É a linha da “esquerda” desiludida no PT e da CUT, que somente pedem uma “mudança” na política econômica do governo. Esta posição foi reiterada pelo dirigente do MST, Pedro Stédile, em uma entrevista onde antecipa um ano de manifestações “para que se produza um processo de pressão por mudanças na política econômica” do governo” (Prensa de Frente [Argentina], 11 de abril). “Temos entrado em um largo período de acumulação de forças”, conclui. Assim, depois de um quarto de século de mobilizações, Stédile condena os sem-terra a mais um “largo período” de espera, aguardando o dia de sua libertação.

A crise do “mensalão”: Lula abre caminho à vingança da direita

A primeira consequência do desgaste do PT como correia de transmissão pelo governo de Lula foi a expulsão dos parlamentares que votaram contra a “reforma” previdenciária e a formação do “novo partido” dos ex-petistas em junho de 2004. Chefiado pela senadora Heloísa Helena (AL), o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) queria “resgatar as principais bandeiras do PT antes de chegar ao governo”.

O PSOL reflete assim à reivindicação a retornar ao “PT das origens”, palavra de ordem tambén de diversas correntes que ainda permanecem dentro do partido de governo. Na prática, buscam criar um “PT bis” com todos os vícios social-democratas que padeceu o partido mesmo antes de entrar no governo (ver “Não precisamos de um “novo partido” social-democrata dos lulistas desiludidos!” Vanguarda Operária No. 8, janeiro-fevereiro de 2005).

O PSOL é um partido eleitoral por excelência, onde a fala da candidata “carismática” e dos parlamentares determina a política do partido. Durante muito tempo sua atividade principal foi coletar as 438.000 assinaturas necessárias para registrar sua candidatura presidencial. O PSOL não caracteriza o governo como frente popular, e não por casualidade: ele mesmo quer formar uma mini frente popular com elementos “progressistas” da igreja e setores “trabalhistas” do PDT. À frente popular de Lula corresponde a frentinha popular de Heloísa.

Contudo, o governo passou a crise das expulsões do PT com uma perda de algumas centenas de quadros intermediários, intelectuais e burocratas sindicais, particularmente servidores  públicos. Procedeu, então, à próxima crise da frente popular: o escândalo da corrupção do PT, o partido que pretendia moralizar a “coisa pública” e introduzir a “ética” no cambalacho constante que é a política burguesa. Segundo a fábula narrada nos jornais, tudo começou com a descoberta em maio de 2005 de uma modesta propina de R$3.000 recibida por um diretor dos correios...

Lula com sua eminência pardaJosé Dirceu.

Quando o deputado carioca Roberto Jefferson, ex-presidente do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), foi confrontado sobre o caso, e não foi defendido por seu chefão, José Dirceu, ministro da casa civil de Lula, Jefferson decide desembuchar toda (ou boa parte) da história. Revela que o governo estava comprando o apoio de deputados e de partidos da oposição (burguesa) com somas milionárias subtraídas da fazenda pública e das grandes empresas. Os dinheiros, R$30.000 por deputado, foram transferidos em malas.

O tesoureiro do PT se “defendeu” admitindo que houve movimentações de dinheiro e empréstimos, mas insistiu que estes eram fundos “não contabilizados” para as “caixas dois” (finanças secretas) das campanhas eleitorais do PT, como faziam todos os partidos.

Toda a mídia burguesa e os politiqueiros capitalistas reagiaram com horror fingido. Esquecem convenientemente que o governo de FHC comprou votos em assuntos importantes (reeleição, previdenciária). O papel da Rede Globo na eleição de Fernando Collor de Mello em 1989, foi tão notório que levou ao impeachment do mesmo. Neste caso o presidente do PSDB, Eduardo Azeredo, chefe da oposição no Congresso, “sabia”, porque ele mesmo recebeu estes dinheiros e porque seu partido utilizou o mesmo “homen das malas”, o executivo publicitário Marcos Valério, para financiar-se desde anos atrás.

A inovação do governo de Lula foi de converter os “presentes” em subsídio mensal, para “alugar os partidos da base aliada” no Congresso, como dizia Jefferson. Isto era produto direto da falta de uma maioria parlamentar do governo, e foi parte do esforço por estender a frente popular para incluir elementos direitistas notórios como Antônio Carlos Magalhães, Orestes Quércia e Paulo Maluf, dinossauros sobreviventes da ditadura militar, todos eles objetos de acusações e CPIs de corrupção (que logo foram cassadas ao chegar a um acordo com a liderança do PT). A mensalão correspondeu ao frentão popular.

A corrupção é  constante na política burguesa. É a graxa que faz funcionar a engrenagem da maquinaria do estado capitalista para que o governo de turno pode servir como conselho executivo da classe dominante, integrando os interesses das diferentes frações da mesma. Ela molesta particularmente à pequena burguesia “decente” e reformistas social-democratas porque revela a suja realida de- trás da mitologia da “neutralidade” do estado, dando provas concretas de como este estado defen­de os intereses do capital, não de “todos.”

Eles reagiam como o inspetor de polícia francês no filme Casablanca que em uma cena famosa comenta: “Estou chocado. Chocado que este tipo de coisas [jogos de azar] tenha acontecido no bar de Rick”, seguido logo por, “Detenha os suspeitos de sempre”.  Aos revolucionários a corrupção na política não choca, porque sabemos que é uma parte íntegra do sistema capitalista que combatemos em todos seus aspectos. Nós denunciariamos todo financiamento capitalista de um partido operário, ilícito ou lícito segundo as leis burguesas, e também o financiamento “público” que não é senão um mecanismo para controlar os que recipientes dos fundos.

A corrupção na política não é um “pecado” pessoal mas um fenômeno social. Assume proporções grandes em períodos de tensões entre os vários clãs e camarilhas da burguesia, ou quando chega ao governo um partido operário reformista que carece dos vultuosos fundos próprios que teria um partido burguês grande. A realidade é que nenhum partido baseado nos trabalhadores nos países semicoloniais pode financiar com as  cotas de seus militantes os gastos enormes de uma exitosa campanha eleitoral com a custosa propaganda televisiva e shows. Um partido eleitoral, como tem sido o PT desde décadas, será financiado de uma forma ou outra pelos diversos capitalistas ou pelo estado capitalista.

E não somente “Lula sabia”. Todos sabiam, e bem antes da revelação de Jefferson. O Plínio Arruda Sampaio escreveu num artigo aparecido em Brasil de Fato (05/01/05): “E sobre este plano onde se encontra, sem dúvida nenhuma, o pior resultado do governo de Lula em dois anos. A conduta política do governo es somiso integralmente aos esquemas tradicionais da corrompida elite brasileira: as conivências, os arranjos, as alianças ilegítimas, obscuros financiamentos das campanhas eleitorais.”*

A corrupção é  constante nos escândalos políticos burgueses e o tema predileto das forças direitistas, porque permite mobilizar a ira da pequena burguesia enfurecida sem exceder os limites da política capitalista. Na França nos anos 30, por exemplo, os fascistas e monarquistas serviam-se do affaire Stavisky** e o descontentamento sobre a corrompida “democracia” da III República (onde todos os jornais e políticos eram comprados) para organizar um movimento a favor do bonapartismo, um “governo forte” – regime de tipo militar-policial. Isto levou à jornada de 6 de fevereiro de 1934, quando algumas centenas de Cavaleiros do Rei, Juventudes Patrióticas, ligas de direita (a Cruz de Fogo, Solidariedade Francesa) e grupos fascistas impuseram um governo direitista (de Doumergue).

Frente à ameaça, os partidos Socialista e Comunista, unificavam suas forças para se mobilizar numa grande frente única  operária uma semana mais tarde. Trotsky escreveu:

“É precisamente essa desilusão da pequena burguesia, sua impaciência, seu desespero, que o fascismo explora. Seus agitadores estigmatizam e maldizem a democracia parlamentar, que respalda arrivistas e ‘staviskratas’ mas nada concede aos pequenos trabalhadores. Esses damagogos brandem o punho em direção aos banqueiros, grandes comerciantes, capitalistas.... A pequena burguesia não rejeitará a demagogia do fascismo, a não ser que tenha fé em outro caminho. O outro caminho é o da revolução proletária.”

–Leon Trotsky, Aonde vai França (outubro de 1934)

Então, como reagiu a esquerda brasileira frente ao escândalo do mensalão? Organizou uma resposta que apontava à revolução proletária? De nenhuma maneira. As pincipais organizações de esquerda, inclusive aquelas que se identificam com o trotskismo, repetiram como papagaios a fala da direita, somente acrescentaram algumas palavras de ordem “socialistas” abstratas, e sobretudo tentaram  organizar o descontentamento da pequena burguesia ofendida. Evidentemente queriam repetir o movimento “Fora Collor” dos anos 90.

A senadora Heloísa Helena do PSOL se posicionou como a maior impulsionadora da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos correios. Recentemente, em uma polêmica com o PSOL, o Partido Socialista dos Trabalhadores (PSTU), seguidores do falecido pseudotrotskista argentino Nahuel Moreno, critica aqueles que dizem, “Bastaria ganhar as eleições e ter ‘ética na política’, acabando com a corrupção, para mudar.” Porém, o quê fazia o mesmo PSTU no momento da ebulição  do escândalo sobre o mensalão? Ele fez toda uma campanha em torno à afirmação de que “Lula sabia” e logo, segundo um comunicado da imprensa do PSTU: “O PSTU entregou nesta quinta, dia 4, às 16h30, ao presidente da CPI dos Correios, Delcídio Amaral (PT-MS), o pedido para que a CPI investigue Lula.”

O PSTU apoiou a CPI. Isto é, fez apelo ao Congresso dos corruptos, esta covil de ladrões, quase todos dos quais tinham sua “caixa dois” e manejam fundos secretos recebidos de fontes capitalistas. A CPI foi feita para limpar a cara da política burguesa, fazendo cair algum bode expiatório, com preferência um par de pastores luteranos inofensivos. Pedir que o Congresso faça julgamento sobre o assunto do “mensalão” é colaboração de classes e mais especificamente fazer o jogo das direitas.

Não somente isto significa pedir aos senadores do PFL, PSDB e outros reacionários que sentenciam a Lula, o traidor do movimento operário; em suas mobilizações o PSTU fazia causa comum com setores burgueses (inclusive da ultradireita). Assim, no ato do dia 18 de agosto do ano passado que convocou a Conlutas (Cooerdenação Nacional de Lutas), dirigida pelo PSTU, falaram do carro de som os deputados de partidos capitalistas João Fontes (do PDT) e Augusto de Carvalho (do PPS). Também esteve presente o deputado Enéas Carneiro do ultra-direitista PRONA.

O PSTU parece estar consciente do significado de sua política.  Em uma reunião do Conlutas na  noite anterior à  manifestação do  dia 18 de agosto, ele lançou uma nova palavra de ordem: “Fora todos”.  No dia seguinte, segundo o relato de Opinião Socialista (19 de agosto de 2005) os manifestantes gritavam “fora Lula, fora Congresso, PT, PSDB, PFL...” (mais não do PDT, PPS...). No II encontro nacional da Conlutas na tarde do dia 18, o PSTU argumentou a favor de sua nova orientação. “Não podemos jogar a decisão para este Congresso corrupto”, disse uma diretora do Sindsef-SP e militante do PSTU. Porém, foi exatamente isto que faziam estes pseudotrotskistas com seu pedido à CPI dos Correios que investigavam  Lula.

A politica rastreira da (não tão) extrema esquerda

A crise do mensalão não acabou. A conclusão da CPI dos correios está para chegar. Mas os esquerdistas empiricistas que no ano passado julgaram que o governo estava “contra as cordas” agora opinam que Lula poderia ganhar a reeleição.

No entanto, a crise  permanente da frente popular segue. A sucessão de rachas, rupturas de parlamentares e escândalos é o resultado do fato de que, para a burguesia, colocar um governo de colaboração de classes cuja base fundamental de apoio se encontra nos trabalhadores é uma medida de emergência. “As ‘frentes populares’ de um  lado e o fascismo de outro,” dizia Trotsky no Programa de Transição (1938), “são os últimos recursos políticos do imperialismo na luta contra a revolução proletária.” Ele segue: “É por isso que a impiedosa critica  da teoria e da prática da ‘Frente Popular’ é a primeira condição para luta revolucionária contra o fascismo.”

PSTU: Embora, é precisamente esta “critica impiedosa” do frentepopulismo que tem evitado as principais organizações que reclamam-se do trotskismo no Brasil. Praticamente toda a “extrema esquerda” brasileira capitulou na campanha eleitoral de 2002 ante a popularidade de Lula, seja votando por ele diretamente, ou seja ao expressar um apoio indireto ou simpatia. O mais flagrante foi o PSTU que, após  apresentar  José Maria Almeida como candidato presidencial próprio no primeiro turno, pronunciou-se pelo voto Lula no segundo e decisivo turno. Mesmo admitindo que “não acredita que um possível governo Lula irá melhorar a vida do povo”, escreveram em um boletim:

“Como os trabalhadores acreditam em Lula e, sobretudo, querem a derrota eleitoral de Serra, o PSTU se somará à classe trabalhadora e ajudará a chamar o voto em Lula e a elegê-lo.”

Com este seguidismo medular, ajudaram a profundar as ilusões no binômio Lula- Alencar. O PSTU, assumindo aquele compromisso, tem responsabilidade pelo governo que resultou eleito.

O PSTU sabia. Chamou pelo voto por Lula (e seu vice, o capitalista Alencar), a sabendas de que não romperiam com o FMI, em outubro de 2002.

Quatro anos mais tarde, o PSTU, havendo-se “somado” às ilusões dos trabalhadores em Lula, agora quer acompanhar-lhes e organizar a desilusão. Pensavam mobilizar as massas ao mais baixo nível possível, contra a corrupção do “mensalão”. Porém, quando os expertos em mercadotécnica eleitoral do Planalto contra-atacaram elevando o salário mínimo de fome a uns miseráveis R$350 e estendendo o programa asistencialista “Bolsa Família” a 10 milhões de pessoas, as cifras eleitorais do presidente subiram novamente nas pesquisas. Foi então que o PSTU lançou a palavra de ordem de “unir a esquerda” em uma “frente classista e socialista”. Na realidade, e uma tentativa de organizar uma frente dos lulistas desiludidos.

Mas a desilusão não constitui um programa, é uma fuga, uma interiorização de derrota, um escape. E a nova campanha do PSTU serve precisamente como uma válvula de escape para canalizar o descontentamento gerado pela política antioperária do governo que eles ajudaram a eleger. Na prática consiste  em suplicar ao PSOL que lhe conceda algumas migalhas da mesa parlamentar em troca  de seu apoio extraparlamentar nos sindicatos e na rua. Oferecem ser os melhores construtores da campanha de Heloísa Helena em troca de alguns deputados federais e sobretudo estaduias. Somente os companheiros de Heloísa não querem. Estão nomeando seus próprios candidatos a todos os níveis, buscando se aliar não com o PSTU mas com o PDT e outros setores burgueses e pequeno burgueses.

O PSTU briga com o PSOL, insiste que a frente eleitoral não tem que ser eleitoreira, que “não temos por que repetir o discurso da ‘ética na política’, tradicional do PT” no lugar de ser “um ponto de apoio para as lutas diretas dos trabalhadores” (Opinão Socialista, 13 de abril). Mas não foi isto o que fazia o PSTU em agosto passado, fazendo bloco parlamentar com as mesmas forças burguesas reacionárias e corruptas as quais hoje seguem manobrando com o PSOL? O PSTU opina que “a participação  é   importante – e a eleição de parlamentares”, mas só a serviço das lutas. Porém, quando, no lugar de aceitar “Zé” Maria do PSTU como vice de Helena, o PSOL nomea César Benjamin de suas próprias fileiras, o PSTU declara “A frente ameaçada” (Opinião Socialista, 26 de abril). Então, quem seria eleitoreiro?

PCO: O Partido Causa Operária (PCO), que nas eleições de 1989, 1994 e 1998 chamou a votar pelo “candidato operário” Lula, recusou votar por Lula no segundo turno das eleições presidenciais de 2002, ainda que opinou que haveria um auge de lutas devido à “tendências revolucionárias das massas” que votaram nele. Agora critica a frente que pretende construir o PSTU. Um artigo do dirigente e ex- candidato presidencial do PCO, Rui Costa Pimenta, “Nem frente, nem de esquerda, nem classista, nem socialista” (Causa Operária online, 25 de abril), observa que a hipotética frente não propõe um governo operário e nem sequer um “governo dos trabalhadores”, mas somente critica “a democracia dos ricos”.

O autor fez algumas críticas organizativas da maneira da imposição de Heloísa Helena como candidata presidencial, um pouco rídiculo, sendo que o propósito mesmo da “frente” é de aproveitar da popularidade criada pela imprensa burguesa pela figura da senadora alagoana. Mas chegamos ao núcleo da lamúria  jeremiada do PCO quando lemos que “A ‘frente de esquerda’ e, ainda por cima, ‘classista’ exclui logo na formulação do PSTU o convite ao... Partido da Causa Operária”. É o lamento do excluído.

Para o dirigente do PCO, o problema da “frente” imaginária do PSTU, que só servirá para disfarçar seu alinhamento detrás da campanha eleitoral do PSOL, é que não segue a “concepção frentista defendida pelos revolucionários marxistas”. E o quê seria esta “concepção frentista marxista”? Segundo Costa Pimenta, esta concepção consiste em ter “acordo entre partidos em torno de candidaturas, de um programa e de uma tática eleitoral”. Mas para os autênticos trotskistas, a frente única é uma táctica episódica que se utiliza para somar forças para a ação comum. No entanto, as coalizões eleitorais entre grupos e partidos de esquerda nada têm a ver com a unidade na ação contra o inimigo de classe – em uma greve ou na defesa contra ataques fascistas, por exemplo. Servem ao contrário para confundir as bandeiras em um bloco de propaganda, baseado na pesquisa do menor denominador comum. Como escreveu Trotsky a respeito:

“Mas é precisamente no âmbito da propaganda onde não se permite um bloco. A propaganda deve basear-se em princípios claros e um programa definido. Marchar separadamente, golpear juntos. Um bloco só serve para as ações práticas de masas. Os arranjos negociados por cima sem base nos princípios somente produzirão a confusão.”

“A concepção de nomear um candidato presidencial da frente única operária é profundamente errada.”

–León Trotsky, E Agora? Questões vitais para o proletariado alemão (janeiro de 1932)

A “concepção frentista” do PCO não origina no programa marxista e trotskista. Nasce da prática do pseudotrotskismo argentino, onde o ex conselheiro de Rui Costa Pimenta, Jorge Altamira, e o falecido mentor do PSTU, Nahuel Moreno, lutavam durante anos em torno a quem seria o licitante com o melhor proposta de frente eleitoral. Se Moreno propunha uma “frente antiimperialista”, Altamira contestaria com uma “frente antiimperialista socialista”; se os morenistas introduziram uma “frente dos trabalhadores” no mercado, Altamira reagiria lançando a “frente operária revolucionária”, etc. Embora, a causa do proletariado não  avançará por semelhante concorrência tipo Coca-Cola vs. Pepsi-Cola, nem com a unidade eleitoral dos oportunistas. Isto é ainda mais o caso no Brasil, onde todos os “pseudos” querem recriar a “PT das origens”. Precisa-se, ao contrário, uma luta encarniçada para forjar um partido operário revolucionário sobre a base programática leninista-trotskista.

LER-QI: Um pequeno grupo que oscila ao redor do PSTU é a Liga Estratégia Revolucionária Quarta-Internacionalista (LER-QI), ligada ao Partido de Trabajadores por el Socialismo (PTS) de Argentina e sua organização internacional, a Fração Trotskista. Em termos gerais, pode-se dizer que a LER critica o PSTU por  causa de seu programa de pressionar para que o PT (ou mais recentemente o PSOL) lute, enquanto a LER-QI pede que o PSTU lute. Sua retórica repete as concepções morenistas do PSTU, falando até o cansaço da necessidade da luta “contra a democracia dos ricos”. São tão rasteiras as propostas da LER-QI que chega ao ponto de criticar o PSTU por um “giro ultra” quando este partido adoutou temporariamente a palavra de ordem de “Fora todos”. Isto recorda os “grupos ultra esquerdistas que pululam pelo país” diz a LER-QI tão prudentemente.

A LER-QI quer construir “um polo antiburocrático e antigovernista nacional” como fração dentro de Conlutas. Preconiza um “Partido Operário Independente dirigido pelos trabalhadores a partir dos seus sindicatos, como alternativa de massas à falência do PT”. Todos os elementos programáticos apresentados pela LER-QI para seu hipotético “polo antiburocrático” e “partido operário independente” são de caráter puramente democrático. Não sómente em suas propostas na Conlutas, a LER-QI apresenta tudo num marco “democrático”. Os soviets, por exemplo, descrevem como a base de um “Estado assentado na democracia das massas”. Escondem assim o caráter de clase, proletário,do poder soviético e da Revolução de Outrubro, que estabeleceu um regime assentado na democracia operária, não simplesmente “das massas” indefinidas.

A palavra de ordem principal da LER-QI durante a crise do mensalão e na atualidade (como também no passado e em quase qualquer outra parte) é pela “Assembléia Constituinte Livre e Soberana”, uma meta que não excede os limites da democracia burguesa. A mesma reivindicação foi promovida por Coggiola (“Corrupción, crisis y alternative obrera”, Rebelión, 06/08/05). Quando em Bolívia o MAS (Movimento al Socialismo) de Evo Morales chamou por uma assembléia constituinte, a LOR-CI (organização afiliada à FT) pede uma assembléia constituinte revolucionária e uma assembléia “popular”.

A LER-QI e seus companheiros da FT e do PTS argentino criticam  Nahuel Moreno por sua conclusão, baseada na experiência da China, Vietnã e Cuba, de que “a revolução pode prescindir dos soviets e também de um partido inspirado no bolchevismo”. Admite que este abandono de elementos fundamentais do programa trotskista leva o PSTU a uma política de “pressionar setores reformistas do movimento operário”. Mas deixa sem mencionar o fato que sua própria monomania pela reivindicação da assembléia constituinte  é uma herança direta de Moreno. Enquanto ele apregoava a “revolução democrática” é uma etapa de “revoluções de fevereiro” na América Latina, nós trotskistas da LQI lutamos por novas revoluções (proletárias) de outubro. 

Os centristas neo-morenistas da  LER-QI/PTS/FT manejam o velho esquema menchevique (adotado logo pelos estalinistas e renegados do trotskismo como Moreno) de uma revolução por etapas, na qual a inicial etapa “democrática” nunca e completada pela “socialista” posterior, porque com alta freqüencia intervém um massacre dos revolucionários por seus ex-aliados “democráticos”. O programa democratizante desta corrente lhe condena a uma existência dependente, de “companhei­ros de rota” de forças reformistas maiores (como o PT, PSOL o PSTU no Brasil) e pequeno-burguesas (o MAS na Bolívia), como Moreno foi um satélite do peronismo burguês na Argentina. Não surpreende, então, que a LER-QI sofra uma hemorragia de membros que vão em direção ao PSOL. É uma conclusão lógica de seu programa: se o objetivo é pressionar às forças a sua direita e obligar-lhes a lutar, melhor fazer isto desde dentro das fileiras do oportunismo maior.

LBI: Outro grupo formalmente centrista é a Liga Bolchevique Internacionalista (LBI) que critica ao PSTU por ser frentepopulista e de claudicação diante do governo de frente popular de Lula. Mas a LBI não se opõe ao frentepopulismo por princípio. Como oposicionistas dentro da Causa Operária, não se opunham ao voto pela frente popular de Lula apregoada pelo PCO no ano 1994; para eles, esta aliança de colaboraçcão de classes foi meramente uma questão tática.

Nas eleições presidenciais de 2002, devido ao caráter ostensivamente direitista da aliança PT/PL, a LBI chamou pelo voto nulo. Mas às vésperas do primerio turno, ela lançou uma advertência, num comunicado datado de 4 de outubro de 2002, contra “a maior fraude da história para garantia da realização do segundo turno”. Convocou “todo o ativismo classista ... a realizarmos a denúncia vigorosa da fraude em curso e, caso isso se concretize, como tudo indica, a deflagrar uma ampla mobilização nacional, que culmine em uma paralisação ativa contra a fraude eleitoral”.

Aparentando uma posição indepen­dente, a LBI deu um apoio extra-parlamentar a frente popular Lula-Alencar, chamando a lutar na rua contra a fraude antes mesmo que se perpetrou e insistindo, junto com representantes de Wall Street e FHC, que Lula devia ser eleito já no primeiro turno.

Durante a crise do mensalão do ano passado, a LBI criticou o PSTU por apoiar a CPI introduzida pelo PSDB. Chamou a atenção à presença de partidos burgueses na direção que organizou a manifestção de 18 de agosto em Brasília. Porém, o quê fez a LBI frente a esta frente (não tão) popular alternativa? Após notar que o PDT e e PPS conseguiram falar do carro de som, informam: “A LBI fez uso da palavra no carro de som da marcha da Conlutas, sendo a única corrente política a denunciar a presença dos partidos burgueses (PPS e PDT) na manifestação” (Jornal Luta Operária, setembro de 2005). Quer dizer, a LBI formava parte, a parte “crítica” si se quer, mas parte integrante não obstante, desta frente popular anti-Lula.

A realidade é que estes pseudobolcheviques querem participar eles também na agitação “anti-corrupção”, desencadeada pela direita burguesa, fustigando “o governo mensalão do PT”. E agora que o PSTU procura organizar uma “frente clasista e socialista” com o PSOL e PCdoB, a LBI chama pela conformação de uma “Frente Operária Revolucionária” em lugar da “frente eleitoral com a social democracia de esquerda”. Evidentemente, tem aprendido bem as regras do jogo morenista-altamirista do “frentismo” oportunista. Só cabe perguntar, quem conformaria esta frente “operária revolucionária”?

A LBI lança este chamado no CONAT, o qual, longe de ser uma nova central sindical é um condôminio do mesmo PSTU e do PSOL. Como estes inveterados “social democratas de esquerda”, mestres do manobrismo constante, vão se converter em revolucionários? A autêntica política trotskista frente a esta situatção deve ser, como Trotsky mesmo esboçou na Alemanha, lutar por forjar um verdadeiro partido operário revolucionário e se unificar na ação em uma poderosa luta de classe contra a burguesía.

Além de seu programa formal, estamos obrigados a constatar que a Liga Bolche­vique Internacionalista é uma organização aventu­reira que em suas cambalhotas frené­ticas cruza a linha de classe com ligeireza.

Em 1996, a diretoria eleita do Sindicato de Funcionários Públicos do Município de Volta Redonda (SFPMVR), composto em sua maioria por camaradas militantes e simpatizantes de Luta Metalúrgica, organização precursora de Liga Quarta-Internacionalista do Brasil, emprenderam uma luta por separar guardas municipais do sindicato, por ser parte da polícia, o “punho armado da burguesía”. A LBI interveio em forma ruinosa naquela luta fundamental, apoiando o principal elemento partidário dos policiais, um tal Artur Fernandes, aconselhando-lhe em como combater os trotskistas.

Hoje a LBI pretende criticar as “greves” de policiais, mas quando pela primeira vez na história da América Latina, houve uma luta para afastar a polícia do SFPMVR, eles apostaram nos elementos pro-policiais. Como registramos  em nosso artigo, “A ‘frente única’ suja da LBI com o estado burguês” (Vanguarda Operária No. 1, julho-setembro de 1996), a LBI publicou em seu jornal um boletim de Fernandes, “Sobre a campanha: ‘Fora polícia do sindicato dos trabalhadores da P.M.V.R.”, onde ele afirma que “é a mais idiota das campanhas que o funcionalismo público municipal de Volta Redonda já viu”.

A LBI aconselhou  Fernandes por fax que devia nos denunciar  por “fazer campanhas de caráter meramente superestruturais (campanha em defesa de gays e lésbicas, negros)”. Se referia, entre outras coisas, ao fato do que fomos nós que levamos para o Brasil a campanha internacional para salvar a vida de Mumia Abu-Jamal, o jornalista e ex-Pantera Negro sentenciado à morte nos EUA por suas declarações revolucionárias. Mumia havia escrito uma matéria especial pelo jornal do SFPMVR explicando que a polícia não é amiga mas inimiga dos explorados e oprimidos.

A LBI apoiou os elementos pró-policiais quando eles foram aos tribunais burgueses para  destituir  Geraldo Ribeiro como presidente do SFPMVR precisamente devido à campanha por apartar a polícia do sindicato. E logo o mesmo Fernandes apareceu como membro da corrente sindical da LBI num congresso da CUT.

Não é somente em uma frenesí contra os trotskistas que estes aventureiros podem cruzar a linha de classe para apoiar a burguesia. No caso de Venezuela, a LBI apoiou a “greve” dos patrões, apoiada pelo imperialismo, contra o regime de Hugo Chávez. Em uma declaração datada do dia 16 de dezembro de 2002 caraterizou este locaute como “uma greve operária com apoio de massas” e denuncia  Chávez por “ameaça de estado de sitio e repressão militar contra os trabalhadores”, acusando os que defendiam o governo contra esta intentona contra-revolucionária de ser “lúmpens”.

Ao contrário do que pretende a LBI, a política trotskista foi de lutar por esmagar com todos os meios a pseudo-”greve” patronal, como pediu a Liga pela Quarta Internacional (ver “Venezula: pela oposição revolucionária à intentona pró-imperia­lista”, Vanguarda Operária No. 7, janeiro-fevereiro de 2003). Neste caso, estes zigzagueadores políticos atuaram como atrelados do imperialismo. Em outras ocasiões, sob o pretexto de um “antiimpe­rialismo” disfarçado, seguem uma política antimarxista fazendo apologia de ataques indiscriminados contra trabalha­dores estadonidenses, britânicos e espanhois, ao contrário de uma política proletaria de luta pela derrota do imperia­lismo e seus lacayos, seja nos países impe­ria­listas ou no chama­do “terceiro mundo”, com faz a Liga pela Quarta Internacional, no Iraqe, no Haití, no Brasil e dentro dos EUA.

Contra a frente popular, lutar pelo partido operário revolucionário

A experiência de múltiplas governos de frente popular mostram que estas coalizações de colaborção de classes passam por diferentes tempos. Se no começo estas gostam das simpatías das massas trabalha­dores, após certo tempo de experiência da esquerda no governo, fica evidente que ela não vai cumprir as expectativas das massas. Começa pelo regular um período de lutas que enfrentam os trabalhadores contra o governo que eles ajudaram a eleger.

Com freqüencia os governos frente­populistas recorrem à violência para esmagar essas lutas, como foi o caso na Espanha nas Jornadas de maio de 1937 em Barcelona, e na França no mesmo ano quando a polícia da Frente Popular fusilou grevistas na cidade de Clichy. No Chile de Salvador Allende, o governo da Unidad Popular confiscou armas das mãos dos sindicatos e dos cordones  industriales, organismos que tinham a possibilidade de se converter em verdadeiros conselhos operários.

Quando o proletariado é suficiente­mente desmoralizado, vem o momento quando a direita derrouba o governo “progressista”, freqüentemente por chacinas dos trabalhadores. É por isto que dizemos que as frentes populares abrem caminho à vingança da direita e se pagam com sangue operária.

No caso da frente popular brasileira em torno ao PT, parece que Lula acelera os tempos e que ele mesmo quer jogar o papel do carrasco para fazer o trabalho sujo da burguesia. A batalha da “reforma” previdenciária quase de imediato e as chacinas já estão ocorrendo, como analizamos na matéria “O Brasil de Lula: terra de massacres” (ver materia nesta edição). No entanto, para fazer isto terá que fazer toda uma operação de trocar a base de seu governo, substuindo os trabalhadores com setores da classe média e até burguesa. De fato, o Lula está tentando semelhante mudança , mas não será coisa fácil. Pode perder a base trabalhadora sem ganhar a pequena burguesa desejada .

Em todo caso, a expectativa de vida das frentes populares é bem curta. Se avizinham grandes lutas para determinar o rumo do maior país da América Latina, questão de grande alcance internacional. Os imperialistas que colocaram Lula no seu posto por ser xerife no continente do sul seguramente farão sentir seu peso. Querem que siga reprimindo os trabalhadores e os pobres no Haiti e que exerça influência sobre Morales na Bolívia.

 Os operários têm que organizar apontando a formação de conselhos de operários e camponeses. Este combate se desenvolverá não no terreno eleitoral, onde neste momento nenhuma candidatura que representa o interesse dos trabalhadores e uma oposição de classe à frente popular.

Para dirigir a luta precisa-se de uma liderança revolucionária, que não pode ser outra coisa senão um partido operário forjado sobre a base do programa bolchevique de Lenin e Trotsky. Através de sua intervenção nas lutas da classes e o combate programá­tico com correntes de esquerda, a Liga Quarta-Internacionalista busca aglutinar e formar quadros para constituir o núcleo deste instrumento indispensável para a luta por um governo operário e camponês para iniciar a revolução socialista que terá que se estender internacionalmente até os centros do imperialismo mesmo. Como escreveu Trotsky em seu ensaio “A revolução espanhola e as tarefas dos comunistas” (janeiro de 1931), “Resolver adequada­mente estas tarefas exige três condições: o partido, o partido e uma vez mais, o partido.” n

*retraduzido do francês


E-mail: internationalistgroup@msn.com

Voltar à página principal da LIGA QUARTA-INTERNACIONALISTA DO BRASIL
Voltar à página do INTERNATIONALIST GROUP