janeiro de 2014
Fantoches social-democratas mendigam armas
dos EUA e da OTAN
Esquerdistas no
campo dos
islamistas pró imperialistas na Síria
O PSTU se coloca no “campo” dos insurgentes islamistas pró imperialistas na Síria. Aqui o senador norte-americano republicano John McCain junto com o chefe do Exército Livre Sírio, Salim Idriss (centro a direita), quem participou no massacre pelos rebeldes de pelo menos 190 camponeses alauitas em agosto de 2012. Nos seus lados, dois dirigentes de Brigada Tempestade do Norte do ELS, Mohamed Nour e Abu Ibrahim, os quais tinham sequestrado peregrions xiitas libaneses.
A furiosa guerra civil comunal na Síria e as ameaças do imperialismo tem posto a teste a esquerda que se reclama socialista ou comunista. Seguindo a pauta que adotaram desde os levantes da Tunísia e Egito que iniciaram a “Primavera Árabe” em 2011, a grande maioria dos esquerdistas no Ocidente apoiou e ainda hoje apoia o que eles denominam falsamente a “Revolução Síria”. Seu oportunismo os leva a seguir à reboque de todo movimento “popular”, mesmo quando este se revela como reacionário. Estes seguidistas inveterados são pegos num dilema, na medida em que fica cada vez mais evidente que a totalidade dos rebeldes sírios armados lutam para instalar um regime islâmico, e que se intensificam as divisões internas entre os abertamente pró imperialistas e os jihadis (guerreiros santos) que apoiam Al Qaeda.
Desde o começo de 2011 a esquerda oportunista e toda a burguesia concertaram-se para qualificar como revoluções a queda de Ben Ali em Túnis e Mubarak no Cairo, apesar de que os militares constituíam o eixo do regime antes e depois. Diante dos reveses ocorridos depois, como o afastamento do presidente egípcio Morsi (da Irmandade Muçulmana) pelo exército em julho passado e as chacinas subsequentes, estes esquerdistas buscam refúgio no mito de um “processo revolucionário” que supostamente segue em curso. Mas enquanto o predomínio dos islamistas sanguinários entre os “rebeldes” sírios ficou tão evidente, ao ponto de assustar os imperialistas, muitos pseudo-socialistas atenuaram um pouco seu apoio incondicional à oposição armada.
E quando logo a seguir, no fim de agosto, o presidente dos EUA Obama ameaçava bombardear a Síria como represália pelo suposto uso de armas químicas contra a população pelo regime de Bashar al-Assad, estes esquerdistas oportunistas viram-se compelidos a se distanciar dos “rebeldes” que exigiram em voz alta que o Pentágono jorre a morte sobre as cidades sírias. Mas não todos sentiram-se envergonhados de serem aliados com elementos abertamente pró imperialistas. O Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado brasileiro, em particular exigia que os imperialistas fornecessem armamento pesado. O PSTU diz literalmente:
“Assim, sustentamos que uma tarefa imperiosa é impulsionar a mais ampla mobilização para exigir dos governos de nossos países e de todos os governos do mundo, inclusive os dos países imperialistas, o envio imediato de modernas armas pesadas ... para as milícias rebeldes do ELS [Exército Livre Sírio] e aos Comitês de Coordenação Local, sem condições de nenhuma natureza.”
–PSTU, “Síria: Exigir ou não armas do imperialismo?” (14 de outubro de 2013)
No mesmo texto explicitam:
“a LIT-QI exige e aceitaria armas e ‘aviões’ da ‘França ou dos Estados Unidos’, ou de qualquer governo, para o campo rebelde em geral, mesmo que a maior parte destas armas parasse nas mãos das direções burguesas desse campo...”.
E em outro texto, a LIT exige:
“mísseis antiaéreos, tanques com tecnologia moderna. Esse tipo de armamento não pode ser conseguido se não for fornecido pelos governos da região e pelos governos imperialistas.”
–Declaração do Comitê Executivo da LIT, 27 de setembro de 2013
Mais claro não pode ser. O PSTU, partido principal da Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT) que segue a linha política do falecido dirigente pseudo-trotskista argentino Nahuel Moreno, além de ser apologista das correntes pró imperialistas do “campo rebelde” sírio, brinda seus serviços como fantoche do imperialismo, em particular do imperialismo norte-americano, principal opressor dos povos no mundo atual! Infelizmente para os morenistas, os estrategistas da Casa Branca e do Pentágono por enquanto não respondem aos desejos de uns perturbados social-democratas “de esquerda” no Brasil. Mesmo o presidente “socialista” da França imperialista não parece interessado. Os desejados aviões caça-bombardeiros F-16 ou os jatos Rafales não chegarão. Que pena!
Empolgados pela corrida armamentista do Brasil, o qual já ocupa o quinto lugar de exportador mundial de armas, poderia então o PSTU, agora travestidos de assessores militares, ter esperança de solicitar alguns Super-Tucanos da Embraer de fabricação brasileira, um dos favoritos aviões de contra-insurgência? E mais ainda, acrescentar ao seu belicismo e pedir alguns foguetes Astros II e o AV-VBL Guará que compõe uma família de Veículos Blindados Leves fabricados pela empresa Avibrás? A pergunta passa a ter mais sentido quando se sabe que os trabalhadores sindicalizados como os da Embraer são representados pelo Sindicato Metalúrgico de São José dos Campos (SP), filiado à CSP-Conlutas, dirigida pelo PSTU. Diga-se de passagem, que em que pese as “críticas” (bem suaves) do PSTU à intervenção do exército brasileiro no Haiti, que o faz com todo “respeito merecido” ao ex-presidente Lula, eleito com seus votos, nunca exigem a expulsão da tropa de ocupação e nunca tem bloqueado a produção de munições para suprimir a população haitiana (e as favelas cariocas e paulistanas).
Porém, o governo do PT de Dilma tampouco valoriza a colaboração “crítica” dos “companheiros” do PSTU. Contudo, a Liga Quarta-Internacionalista do Brasil, seção da Liga pela Quarta Internacional, chamamos à ação operária para expulsar as tropas brasileiras do Haiti, e a Polícia Militar fora das favelas do Rio. Até mesmo ganhamos a aprovação desta demanda por vários sindicatos (Sepe-RJ, CNTE) apesar da resistência do PSTU/Conlutas. Sobre Síria, a LQI não apoia nenhum bando na atual guerra civil comunalista, nos opomos tanto ao regime autoritário de Assad quanto aos insurgentes islamistas; mas frente à ameaça de ataque das potencias ocidentais, defendemos a Síria, país semi-colonial, contra a agressão imperialista (ver artigo neste número).
A política do PSTU/LIT é cheio de aparentes contradições. Pretende que “sempre esteve contra a intervenção imperialista”, ao mesmo tempo em que insiste em “exigir dos governos o envio de armas e material à resistência síria”. Porém não são simplórios, sabem que isto seria uma intervenção militar que os imperialistas só fariam para controlar as forças rebeldes (como na Líbia). E a qual das “resistências síria” enviar as armas? Aos setores “duros” que rechaçam os cânticos da sereia do imperialismo? Não, o PSTU reconhece que estes querem “uma nova ditadura da al-Qaeda” (o que pretende seria “a quinta coluna de Assad”). Assim pedem armas para o ELS (“Exercito Livre Sírio”), que eles admitem “não têm feito mais que clamar uma e outra vez pela intervenção imperialista”. Ou seja, armas imperialistas para fantoches imperialistas!
Outra curiosa inconsequência aparente: na Síria, a LIT exige armas pelo ELS, vários de cujos integrantes (como as Batalhões Farouk) são notoriamente próximos da Irmandade Muçulmana. Mas em Egito, após da derrubada do presidente Morsi e a tomada de poder pelo exército ao começo de julho e a subsequente persecução da Irmandade, a LIT vergonhosamente declarou: “Nenhum direito democrático nem de expressão pela Irmandade e seus lideres políticos enquanto se mobilizam pelo retorno de Morsi!” (Declaração da LIT, 15 de agosto). Porém o que a primeira vista parece uma contradição se resolve ao considerar que o imperialismo apoia o ELS na Síria e o regime militar em Egito. A LIT segue “criticamente” à reboque do imperialismo “democrático”.
Como faz o PSTU/LIT para justificar esta política descaradamente pró imperialista? Cita abusivamente Trotsky sobre a Guerra Civil Espanhola. Que insulto ao grande revolucionário russo, que sempre combateu o imperialismo! Na Espanha durante 1936-1939 houve uma tentativa de revolução operária que foi esmagada pelos fascistas e militaristas do bando de Franco e pelos democratas burgueses e stalinistas (com ajuda dos anarquistas) no bando republicano. Os trabalhadores ocupavam as fábricas, formaram milícias operárias, coletivizaram as fazendas. Não há nada disso na Síria hoje. Não há lá nenhuma mobilização operária, e muito pelo contrário, todas as frações da “resistência” armada têm cometido massacres sectários.
No começo do levante contra Assad houve, sim, durante poucas semanas, manifestações de massas iniciadas por opositores laicos, “armados” com seus laptops, iPads e iPhones para enviar informações pelas redes sociais. Os protestos não foram inteiramente pacíficos como se pretende, e no curso da primavera de 2011 assumiram um caráter cada vez mais religiosa, partindo das mesquitas sunitas com o grito de jihad, “Alahu akhbar” (Deus é grande). Porém, frente à dura (mas inconsistente) repressão do regime, a resistência dentro de pouco foi dominada por bandos armados, algumas milícias abertamente religiosas e outras (as do fantasmagórico ELS) compostas principalmente de desertores sunitas do exército sírio que lutavam contra o “regime alauíta”, referência à seita religiosa de Assad.
O PSTU/LIT se refere a uma “revolução democrática” na Síria. Além do fato que este lema morenista é diametralmente oposta à política de revolução permanente de Trotsky, reproduzindo o esquema stalinista de revolução “por etapas” (lutar primeiro pela democracia burguesa, não pelo socialismo), a “resistência” armada na Síria não é, nem de longe, democrática. Quando o PSTU/LIT, e outros, pretendem que há um setor laico da resistência armada, e ademais quando identificam este com o ELS, é uma mentira grosseira. Entre as centenas de grupos armados, quase todos buscam estabelecer um regime islâmico, onde impera a sharia (a lei islâmica), segundo a versão de sua seita, o que é necessariamente anti-democrático, para as mulheres que defendem seus direitos, para os que seguem outras religiões ou são laicos, pelas seitas islâmicas minoritárias, e mesmo para aqueles na maioria sunita que não querem viver sob a sharia imposto por autoridades não eleitas. Os grupos armados que não se proclamam abertamente islamistas são, em sua maioria, bandidos.
Entre os que pregam o islamismo como sistema político, a imprensa burguesa identifica os supostos islamistas “moderados”, muitos ligados com a Irmandade Muçulmana; os salafistas que querem impor uma versão radical da sharia; e os jihadistas que apregoam uma guerra santa contra os infiéis. Mas a realidade é que mesmo a grande maioria dos bandos de islamistas sunitas “moderados” são takfiri, quer dizer que acusam as outras seitas muçulmanas de serem apóstatas, crime potencialmente punível pela execução. Os “moderados” querem subjugar os xitas, drusos, alauítas, etc., alem dos cristãos, enquanto os “radicais” como a Frente Al Nusra e o ISIS (Estado Islâmico no Iraque e Síria) querem expulsar ou até aniquilar as minorias, particularmente as comunidades alauitas, que formam uma base de apoio do regime.
A conseqüência é que uma vitória da “resistência” síria produziria pelo menos uma expulsão maciça da população alauíta das cidades e das regiões predominantemente sunitas, senão do país inteiro, e muito provavelmente uma chacina de grandes proporções. A população esta consciente deste perigo, e por isto muitos que em diferentes graus se opõem ao regime de Assad preferem ele sobre os “rebeldes”. Os morenistas tentam encobrir esta realidade, embelezando o ELS, e os Comitês de Coordenação Local, que na realidade são subordinados ao plano militar às bandas islamistas dominantes (e cujo equipe eletrônico é fornecido pelo governo norte-americano).
Um exemplo: em sua declaração de 27 de setembro, a LIT fala de que “os rebeldes conseguiram vitórias em Aleppo e Latakia”. A suposta “vitória” em Latakia foi um massacre da população alauíta de algumas aldeias na região montanhosa do distrito. E essa chacina, que aconteceu na primeira metade de agosto e na qual foram assassinados ao menos 190 civis, entre eles 57 mulheres e pelo menos 18 crianças e 14 homens idosos, foi elogiado como grande vitória pelo comandante do ELS, o general Idriss, que participou pessoalmente nela junto com seus destacamentos.1 Ou seja, o PSTU/LIT elogia a “limpeza comunalista/religiosa” da pior laia. Os morenistas identificam como “resistência” o “déspota sanguinário” Assad e as forças que realizaram pogroms como fizeram as Centúrias Negras contra os judeus na Rússia czarista, e aplaudem o pogrom mesmo.
A LER e a Fração Trotskista: centristas pegos no atoleiro sírio
O PSTU elogia a “unidade de ação” com o imperialismo contra Kadafi. Aqui a OTAN inicia guerra contra Líbia em marzo de 2011 ao bombardear defensores do governo cerca de Bengasi.
Os morenistas do PSTU/LIT pretendem que toda oposição a sua política de “apóia[r] incondicionalmente” o que eles dizem é “a luta armada do povo sírio” contra Assad, teria de fato a posição “stalinista, especialmente o castro-chavismo” de considerar o regime sírio o paradigma do antiimperialismo. Encontram muita dificuldade quando as críticas de sua política pró imperialista referenciam o legado e ideário de Trotsky. A necessidade de proteger seu flanco esquerdo, inclusive contra questionamento dentro de suas próprias fileiras, explica a estendida polêmica, repleto com 34 citações em notas de roda-pé, contra a Liga Estratégia Revolucionária, seção brasileira da Fração Trotskista, liderada pelo PTS (Partido de los Trabajadores Socialistas) argentino.
Nesta polêmica, já referida (“Síria: Exigir ou não armas do imperialismo?”), o PSTU traz de volta as disputas em torno à guerra de Líbia. A LER/FT responde (“A LIT-QI se afunda no complexo cenário sírio”, 14 de novembro) recordando como depois do assassinato de Kadafi (por “rebeldes” ao soldo da OTAN), a LIT declarou que “saudamos efusivamente” esta “tremenda vitória política e militar do povo líbio e de todo o processo revolucionário que sacode o mundo árabe”, e também como a LIT justificou seu apoio às bandas mercenárias alegando que “existiu uma unidade de ação entre o imperialismo e as massas para derrotar Kadafi” (“O povo em armas destrói o regime de Kaddafi,” 25 de agosto de 2011). Elogiar as bombas da OTAN como “unidade de ação com o imperialismo” – que monstruosa perversão de todo o legado de Lênin e Trotsky! Que safadeza dos cortesões do império!
A LIT insiste uma e outra vez em equiparar a situaçào de Síria hoje com a de Espanha durante sua guerra civil dos anos 30, o que é um absurdo. A LER/FT rebate que há grandes diferenças entre os dois casos, sublinhando que a classe operária não lidera a luta na Síria, o que fica evidente a todos. Mas no intercâmbio polêmico, a LER hesita em declarar o ponto fundamental que a resistência armada contra o regime de Assad nem sequer é democrático burguês. Portanto diz que “estamos de acordo com o conteúdo geral” do posicionamento da LIT sobre exigir armas do imperialismo, somente quer que estas devem ser para “a favor das massas operárias e populares, no marco de desenvolver um processo revolucionário.”
Defendendo-se da acusação de ser abstencionistas na guerra civil na Síria, a FT só quer que a LIT se distancie mais da direção burguesa do ELS e os outros testas-de-ferro colocados pelos imperialistas para encabeçar a resistência armada, que hoje são mais marginalizados que nunca. Porém os verdadeiros trotskistas, frente à uma insurgência reacionária patrocinada indiretamente pelo imperialismo contra um regime autoritário também reacionário, diriam claramente que os trabalhadores devem lutar contra ambos os bandos, mas se o imperialismo se converte em força dominante do bando rebelde (o que seria o caso si de fato se entregaria armamento pesado como exige a LIT), mantendo sua independência política do regime de Assad defenderiam Síria contra a arremetida imperialista.
Assim nós da LQB e a Liga pela Quarta Internacional lutamos contra o envio de armas imperialistas às reacionárias bandas da insurgência islamista na Síria. E no caso de um ataque militar imperialista contra Síria, nos encontraríamos em tincheiras opostas à LIT. Lembra-se que na guerra em Afeganistão, a LIT elogiou os mujahidin, os guerreiros santos daquele então, por ameaçar a URSS, enquanto nossa corrente (naquele então a tendência spartaquista) saudou a intervenção soviética, proclamando “Viva o Exército Vermelho!” E em 1989 quando Gorbachov decidiu retirar a tropa soviética (uma traição, que contribuiu grandemente para a destruição contra-revolucionária da URSS), nós oferecemos formalmente ao governo afegão organizar uma brigada internacionalista para combater os mercenários islamistas do imperialismo apoiados pelos morenistas.
A crítica da LER contra o PSTU/LIT é parcial, e isso devido às origens da Fração Trotskista no morenismo. A LER/FT diz que a política que segue o PSTU é “semi-etapista”, quando é bem evidente que sua política de uma “revolução democrática” é a quintessência do etapismo reformista dos stalinistas e dos mencheviques que sempre tem produzido derrotas para a classe operária. A LER/FT diz que a política do PSTU é “semi-campista”, quando se centra em determinar (como o PSTU mesmo diz) o “campo militar progressista” (burguês) e logo prestar juramento de lealdade a ele ao contrário de lutar pela ação operária contra seus inimigos imediatos conforme seus interesses de classe.
Logo ao romper com a corrente morenista em 1988 no processo de desmoronamento da LIT a partir da morte de seu fundador no ano anterior, a FT se distanciou de várias teses de Moreno, chegando a criticar “os elementos revisionistas que contém o ‘morenismo’”2 Mas ainda que a FT rechaça a concepção anti-trotskista da “revolução democrática”, que mostrou sua bancarrota na onda contra-revolucionária que varreu Europa do Leste e a URSS durante 1989-1992; e mesmo que reconheceram que esta teoria e as demais revisões de Moreno ao Programa de Transição representavam a rejeição da revolução permanente de Trotsky, estes ex-morenistas preservaram a metodologia democraticista e uma série de posições históricas herdadas do morenismo.
Assim a FT pede às forças populares não proletárias lançarem ações que incumbe à classe operária empreender (como chamar aos zapatistas ou mesmo ao opositor burguês López Obrador no México liderar uma greve geral). Segue a política “frentista” de Moreno ao chamar constantemente a formar frentes eletorais de várias forças oportunistas, como a Frente da Esquerda e dos Trabalhadores na Argentina com seu programa inteiramente reformista; chamar à formação de uma “ferramenta política dos trabalhadores” na Venezuela, em vez de um partido operário com programa reovlucionário para combater o populismo chavista; ou lançar uma candidatura da LER no Rio de Janeiro na lista do arquireformista Partido Socialismo e Liberdade após este mesmo PSOL aspunhalar a greve do magistério fluminense.
Com práticas como estas, o Programa de Transição e a luta pela formação de uma vanguarda revolucionária baseada na revolução permanente de Trotsky são relegadas ao acervo de referências históricas, sem expressão concreta na atualidade.
Agora, sobre a Síria, além dos pontos corretos marcados contra a LIT, qual é a proposta da FT? Rechaça a quimera da “revolução democrática” (burguesa), mas fala constatemente de um “processo revolucionário” aberto na “Primavera Árabe” sem especificar seu caráter de classe. Critica a LIT por reivindicar “uma Assambleia Constituente, livre e soberana” na Síria (palavra de ordem que a mesma FT lança em quase qualquer país e circunstância, de Oaxaca a Chile). Mas a seguir a LER postula “impor uma Assembleia Constituente revolucionária”, só que isto deve ser garantida por “um governo operário e camponês”. Porém, se na Síria a classe operária não atua como força partícipe na luta, como diz a FT com razão, qual é a realidade deste lema?
A FT não quer teorizar seu programa democraticista como “revolução democrática”, mas assim como a LIT se concentra em reivindicações democráticas (Asambleias Constituintes em toda parte) e resiste chamar à revolução operária. Ela quer deixar aberto o desenlace enquanto a LIT lança um program explícitamente burguês. Por quê a indefinição da FT? A chave é sua menção da “revolução iraniana” de 1979 como uma “grande revolução (no sentido marxista) ... apesar da direção reacionária dos aiatolás”. Nesta frase curta há toda uma traição cheia de consequências pelo proletariado mundial. Não houve uma revolução iraniana no sentido marxista, da derruba do domínio de uma classe por outra, senão uma mudança de uma ditadura burguesa (do Xá) a outra (de Khomeini), com um saldo de dezenas de milhares de esquerdistas assassinados.
Os morenistas compartem com a esmagadora maioria da esquerda à escala mundial a pesada responsabilidade para este banho de sangue. A FT escreve da “revolução iraniana de 1979, na qual a classe trabalhadora com a greve geral teve um papel decisivo na derrota do Xá e construiu shoras (conselhos) operários, que surgiram inclusive em setores das fragmentadas forças armadas”. O certo é que a greve geral operária teve um papel chave, mas desde o começo da insurreição e mesmo antes, quase todos os grupos “marxistas” capitularam perante Khomeini, permitindo que os aiatolás e mulás assumissem o poder. Imediatamente procederam a aprisionar dirigentes operários, apedrejar mulheres que não portavam o véu, e massacrar kurdos e outras minorias.
As shoras que existiam em muitas empresas não se mobilizaram contra estes atropelos, nem contra a constituição islâmica e dentro de poucos meses foram efetivamente reprimidas. A tese que houve uma revolução inicial progressista, baseada em conselhos operários, que somente depois foi aplastada pelos reacionários islâmicos, é um invento da esquerda oportunista para encobrir sua própria claudicação, baseada teoricamente na concepção reformista de uma revolução por etapas, na qual a primeira seria “democrática” ou “anti-imperialista” e portanto poderia ser chefiada por um clérigo. Moreno mesmo, como muitos outros, havía defendido durante mais de uma década o lema de uma “revolução árabe” burguesa.
A nossa corrente foi a única que no momento decisivo proclamou, “Abaixo o Xá, abaixo os mulás”.
Uma segunda ausência notável na polémica da FT contra a LIT sobre Síria é qualquer indicação que frente a um ataque imperialista se chamaria por defender o país semi-colonial. Seguro, escreve “Abaixo a intervenção imperialista na Síria!” (Palavra Operária, setembro de 2013), como também diz o PSTU. A FT termina o artigo chamando pela “mais ampla campanha contra toda e qualquer intervenção militar imperialista na Síria, e pela queda revolucionária de Assad” – nada sobre a defesa de Síria contra os agressores imperialista. Esta lacuna não é casual. Num artigo subsequente a LER critica a nós por ter chamado pela defesa da Libia, ainda sob o regime de Kadafi, frente ao ataque dos imperialistas da OTAN. Alí escreve:
“Algumas correntes de origem espartaquista criticam a possibilidade de alianças tático-militares com os setores rebeldes na Líbia não por embelezar Kadafi como uma direção ‘anti-imperialista’, mas por considerar que a intervenção militar imperialista configurava uma guerra de opressão nacional, motivo pelo qual os revolucionários supostamente deveriam se localizar no campo militar oposto a essa intervenção com um programa político independente. Essa lógica erra porque não considera que, mesmo tendo sido o levante das massas contra Kadafi desviado e controlado pelas direções burguesas aliadas ao imperialismo, seguia sendo sob essa base – por ter sido a protagonista de ações espontâneas de massa – que seria mais fecunda a luta política para colocar de pé um setor de vanguarda da classe trabalhadora com uma política independente das distintas frações burguesas.’
–“A crise Síria e a necessidade de uma política revolucionária”, Palavra Operária, outubro de 2013
Em primeiro lugar, recordamos que, como detalhamos naquele então, o levante contra Kadafi era dominado desde o começo por elementos monarquistas e islamistas, em estreita colaboração com os imperialistas (ver “Choque em Libia” y “Izquierdistas que vitoreaban a los rebeldes pro imperialistas en Libia”, El Internacionalista suplemento, maio de 2011). Nem sequer houve um intervalo de algumas semanas onde predominavam elementos liberais laicos como na Síria, não houve “ações espontâneas de massa” que logo foram desviadas, o levante líbio foi reacionário desde o primeiro momento. E quando a OTAN atacava, não tratava-se de uma questão tática (“fecunda” ou não), era uma questão de principios defender a Libia, mesmo sob o déspota Kadafi, contra os imperialistas. Como escrevia Lenin em 1915:
“Se, por exemplo, amanhã Marrocos declarasse a guerra contra França, a India contra Inglaterra, a Pérsia ou China contra Rússia, etc., estas guerras seríam guerras ‘justas’, guerras ‘defensivas’, não importa qual fosse o país que atacou primeiro, e todo socialista desearia a vitória dos estados oprimidos, dependentes, desiguais, na luta contra as ‘grandes’ potências opressoras, escravizadoras, despredadora.”
–V.I. Lenin e G. Zinoviev, O socialismo e a guerra
O dever de defender o país oprimido contra a potência imperialista tampouco depende do caráter dos governos respetivos. Frente à invasão italiana contra Etiopia nos anos 30, Trotsky defendeu o país africano, não obstante ser governado por um imperador Haile Selassie, um feudalista com servos e até um escravista. E em nossos dias, nós defendemos o Iraque de Saddam Hussein contra os invasores imperialistas em 2003, e também defendemos os insurgentes sunitas e xiitas na medida em que lutavan contra as tropas de ocupação.
Não duvidamos que haverá quem entre os que lutavam durante os últimos três anos contra o regime repressivo que rechaçaria defender a Síria de Assad contra um ataque norte-americano. De fato, os amigos do império não limitam-se ao ELS ou o CNS (Conselho Naiconal Sírio), existe agora uma camada toda de ativistas sírios que dependem ou tem sido premiados pelo imperialismo. Porém na população síria haverá muitos que acudirão à defesa de seu país contra uma agressão imperialista e sionista.
Trotskismo vs. “campismo”
Além disso, fica evidente da breve polêmica contra nós que a LER/FT aceita a metodologia da LIT de identificar-se com um “campo militar”. Nem nós sobre a Líbia ou Iraque, nem Trotsky na Guerra Civil Espanhola nos enrolamos num “campo” ou outro. Apenas trata-se de um bloco militar, que apontamos nossos fuzis na mesma direção, contra um inimigo comum. E como Trotsky indica, em seu folheto “Espanha: última advertência” (1937) – escrito depois, e à luz da repressão contra os trabalhadores de Barcelona pela polícia republicana e stalinista nas Jornadas de Maio desse ano – isto pode mudar. Se os imperialistas logravam conciliar os dois campos, os trabalhadores poderiam ver-se enfrentados pelo general republicano Miaja e Franco juntos.
A metodología dos campos é oposto pelo vértice à política de classe dos trotskistas. Esta revisão fundamental do marxismo foi pegado emprestada por Nahuel Moreno de Michel Pablo, então secretário da Quarta Internacional, quando ao começo dos anos 50, em seu documento “Aonde vamos” (janeiro de 1951) e outros textos, antecipando uma terceira guerra mundial, dividiu o mundo em dois campos, o imperialista e o stalinista e optou por se posicionar dentro do segundo. Com esta linha política oportunista, abandonou o trotskismo e a luta por uma vanguarda proletária revolucionária, resultando na cisão da QI e sua destruição organizativa como partido mundial da revolução socialista.
Sobre tudo quando nos finais dos anos 50 o “campismo” dos pablistas se estendeu da burocracia stalinista a abraçar outras forças não proletárias (nacionalistas argelinos e castristas cubanos), esta política atraiu a Nahuel Moreno por enquadrar-se perfeitamente com sua prática desde seu “entrismo profundo” no “campo” do peronismo. Logo seguia sua adaptação sucessiva ao guevarismo, maoismo, social-democracia, sandinismo e outras correntes na moda3. Finalmente, consagrada pela tese da “revolução democrática”, sua odisséia culminou no duplo de reformismo eleitoreiro e burocratismo sindical que marcou sua integração definitiva no sistema capitalista, e cuja incorporação acabada é o PSTU brasileiro.
Como já indicamos, a FT e a LER não tem rompido totalmente com o morenismo. Preservam muito de sua herança ao mesmo tempo que rejeitam várias de suas teses mais flagrantemente anti-trotskistas. Como reflexo desta ótica, tratam o PSTU e a LIT como uns revolucionários desnorteados, que se retificariam ao reler Trotsky. Longe disso. Fazemos a conta: se adicionamos o apoio da LIT aos gusanos cubanos contra-revolucionários, aos esquálidos reacionários venezuelanos, à polícia e até os PMs brasileiros; suas loas à “vitória” da OTAN na Líbia, seu chamado a denegar direitos democráticos à Irmandade Muçulmana no Egito, e seu pedido de armas imperialistas para “rebeldes” pró-imperialistas na Síria, à soma não é centrismo.
O PSTU e a LIT são reformistas sem pudor que apoiam o sistema capitalista. Sua política sobre Síria é uma prova contundente. Sua existência real nos interstícios da burocracia sindical dá a base material. Negar-se a ver esta realidade produz uma cegueira política centrista da FT com conseqüências potencialmente desastrosas. Considerem a sorte dos trotskistas iranianos em 1979 que pensavam que lutavam dentro do campo revolucionário. Qual seria a sorte dos ativistas sírios que seguem a mesma lógica hoje?
O trotskismo não é a política da adaptação constante, marca registrada do morenismo; a Quarta Internacional é o partido da oposiçào intransigente, contra o imperialismo, contra todas as alas da burguesia, e contra o oportunismo, enfermedade senil dos ex-comunistas.
Nestes dias, a nefasta Santa Aliança entre burgueses “democráticos” e pseudo-socialistas no Oriente Médio, que tem desviado as lutas durante três anos tumultuosos, começa a desperdiçar-se. As massas trabalhadoras precisam do trotskismo autêntico, que luta pela revolução permanente, para que os trabalhadores na região – em particular o poderoso proletariado turco – lutem pelo poder à cabeça de todos os oprimidos, para abrir o passo a uma federação socialista do Oriente Médio onde cabem todos os povos, inclusive um estado operário palestino árabe-hebreu e um Curdistão socialista unido. ■
- 1.Ver o relatório de Amnesty International, “You Can Still See Their Blood”: Executions, Indiscriminate Shootings, and Hostage Taking by Opposition Forces in Latakia Countryside (outubro 2013).
- 2. Ver artigo de Manolo Romano, “Polémica com la LIT y el legado teórico de Nahuel Moreno”, Estrategia Internacional No. 3, dezembro 1993-janeiro 1994.
- 3. Ver nosso folheto La verdad sobre Moreno (1980, nova impressão 2011).